Pular para o conteúdo principal

Eu ainda estou aqui


A vida é muito curta. Quando eu penso sobre todas as cidades nas quais morei, todos os empregos que tive, todas as ruas por onde andei, até todas as pessoas que conheci, é difícil concordar com autores como T. S. Elliot. “A vida é muito longa”, ele escrevera. Talvez seja uma questão de perspectiva: eu não teria um histórico tão abrangente na memória, se a vida não fosse tão longa. Mas o que explicaria então, escrever sobre essas coisas no tempo passado? Ou quem sabe, a vida não tenha sido feita para ser definida. O que explicaria, ironicamente, porque as cidades, os empregos, as ruas e as pessoas sempre mudam. “Que seja eterno enquanto dure”, já dizia Vinícius de Moraes. Convenhamos que um autor nada mais é do que alguém com tempo demais em mãos.

O que eu quero mesmo dizer, independente de qual for o tempo que esta vida dure, é isso: até que se prove o contrário, esta é a sua única chance de fazer o que quiser. O projeto em si é brilhante: você sabe para onde está caminhando, mas não sabe até quando estará livre para caminhar. É impossível voltar atrás, por isso é mais fácil abrir mão do que estiver arrastando para seguir em frente sem o tempo passado te atrasando. E, sim, eu sei o quanto é distorcido ler isso, vindo de mim. Alguém acostumado a emoldurar amarguras em poesias, e depois as disponibiliza para exposição. Mas não pense que faço isso por rancor ou incapacidade de seguir adiante – a verdade é que eu simplesmente não confio totalmente no tempo.

Pode ser que a dor amenize a medida que os dias passem. Pode ser que o novo tome o lugar do familiar, e se torne mais confortável do que o esperado. Pode ser que as coisas melhorem mesmo. Pode ser que não. Acontece que, mesmo esperando pelo que o amanhã irá trazer, o tempo por trás dessa operação é o mesmo que sutilmente te faz esquecer do ontem. E eu não gosto de esquecer. Nem do bom, nem do ruim, nem do que dizem ser inesquecível. Nada é, a não ser que você faça um esforço para isso. Os homens cro-magnon deixaram desenhos nas paredes de cavernas, os artistas renascentistas pincelaram tetos de catedrais e esculpiram arcos do triunfo, e eu... Bom, eu estou aqui, fazendo a minha parte, um parágrafo de cada vez.

Longa ou curta, fácil ou difícil, compartilhada ou solitária, seja lá em qual cidade eu esteja ou quem esteja lendo isso agora, a vida é minha. Não tenho pretensões de tornar-me inesquecível, porque pouco fiz para tornar o mundo à minha volta um lugar melhor do que aquele que encontrei. Mas por dez minutos antes da minha última hora chegar, eu terei fotos, textos, e todos os registros que consegui arquivar durante a minha viagem, para relembrar o caminho que percorri.

Tenho comigo todas as vezes que recebi um “não” em vez de um “sim”. Todas as pessoas que juraram sempre estar comigo, e todas aquelas que não precisaram prometer nada para cumprir isso. Todas as vezes que tive certeza de algo, e errei. E todas as vezes em que arrisquei tudo, podendo ficar sem nada, só para acabar com uma vida totalmente diferente. Em outro lugar, fazendo outra coisa, seguindo outros caminhos, com outro alguém. Eu vivi, e sobrevivi para contar a história.

Eu não sei como você enxerga a sua vida – ou, muito menos, como pode enxergar a minha. Talvez pareça irreverente para um espectador distraído. Talvez minhas atitudes pareçam impulsivas. Talvez minhas palavras soem exageradas. Talvez as atitudes variem entre graus de infantilidade e teatralidade. Talvez você desconfie que, honestamente, eu nunca tive um plano. Eu não sei, mas ainda estou aqui. Tentando dar sentido ao mundo à minha volta, por mais que isso não seja requerido para existir nele.

Ou, quem sabe, talvez eu esteja divagando sobre isso só para te contar que nada até agora foi capaz de me fazer desistir de tentar. Acordar, levantar da cama e fazer o café, é um exercício diário de reconstrução. À curto e à longo prazo, essa é a única explicação para justificar a coragem necessária que encontrei para dizer “eu te amo” a alguém de novo.

A vida é muito Igor às vezes. Ao me citar por aí, não se esqueça da bibliografia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha mela...

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ...

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento...