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Medianeira

Dez minutos. Este deve ter sido o tempo máximo durante o qual o ônibus ficou parado na rodoviária. Mas eu não precisei procurar por nenhuma placa que me informasse aonde estávamos. Eu senti um arrepio na espinha quando olhei de relance por uma das janelas e reconheci aquela parte da estrada. Entre o mundo novo e o antigo, há sempre um lugar por onde o caminho se desdobra. 

Eu sabia exatamente aonde estava e, principalmente, quem estava por perto. Alguém que desapareceu para mim desde o último calendário. Alguém que, ao que recordo, nunca quis que eu estivesse naquele lugar.  Alguém que, entre falsas promessas e dedos cruzados, partiu meu coração. 

Por cerca de dez minutos, eu perdi o fôlego. A verdade é que eu não conhecia a cidade - nunca adentrei seus limites, nunca percorri suas ruas, e nunca conheci o seu centro. Há quem diga que haviam mais paralelos entre você e a cidade do que um mero olhar pela janela de um ônibus era capaz de perceber. Eu mesmo costumava pensar que era capaz de enxergá-la mesmo quando esteve diante de mim. Dizendo que me amava, jurando que era só o começo, e mentindo que iria voltar. 

A última vez que a vi, estava tão ansiosa para partir que acabaria por deixar muito mais para trás do que de fato ficou. Eu fui aquele que a ajudou a refazer a mala, incluindo presentes que sequer haviam sido abertos e lembranças que logo se dissipariam pela estrada afora. Só depois eu me dei conta de que aquela seria a última vez que a veria. E por que iria pensar nisso? Você disse que voltaria. 

Em aproximadamente dez minutos, tudo voltou a mim. O sorriso que estampava seu rosto na primeira vez que nos vimos. O vestido que emoldurou seu corpo na noite de Natal. O perfume que se apossou da minha cama por dias após a sua despedida. Só havia uma coisa faltando, pensei, até um olhar despercebido flagrar algo na estação. Algo com a sua silhueta, o tom da sua pele, o mesmo cabelo escuro, e o som da sua risada. 

Em menos de dez minutos, o mundo acabou mais uma vez. Sentado na poltrona 18, cercado de estranhos, em um ônibus de viagem estacionado naquela cidade onde jamais coloquei os pés, revivendo o passado e assombrado pelo futuro que nunca aconteceu, eu chorei. Chorei por tudo que não soube dizer quando me deixou. Chorei por tudo que senti desde a primeira vez que enfrentei a falta que criou. E chorei  pela incerteza imensa sobre um dia voltar ao jeito que o mundo era, antes de você existir tanto pra mim. Ninguém ao meu redor entendeu, e ninguém quis entender. 

O que diria, afinal, se perguntassem? Diria que estava de passagem por um lugar aonde nunca estive, nem nunca estarei. Por não ter sido convidado, e por não ter descoberto quem realmente morava ali. Alguém cujo sorriso ia muito além do que presenciei. Alguém que sabia mentir para quem sabia acreditar. Alguém que, só de imaginar que poderia estar por perto de novo, roubou a minha respiração.

Quando o ônibus tremeu com a partida, a figura na plataforma revelou seu rosto. Não era você. E os significados disso me acompanharam pelo resto da viagem. Não era você, porque provavelmente estava em casa, com seu novo alguém. Nunca será você, porque não está à minha espreita, por mais que eu ande com cautela, aonde quer que eu vá. Sem saber quando finalmente voltarei a seguir meu próprio caminho. 

Levou dez minutos para perceber que essa história ainda não acabou. Eu só não soube dizer por quanto tempo ela ainda iria durar. Algumas viagens às vezes parecem durar para sempre.

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