Talvez a tragédia de qualquer escritor more ao lado do seu
suposto talento de traduzir a vida ao seu redor em palavras. Porque é um
talento invariavelmente posto à prova em rascunhos envelhecidos numa gaveta do
criado mudo, ou escondidos em uma pasta oculta do computador. Palavras que
envelhecem mais rápido do que seu autor, com o passar dos anos, cuja mensagem
original cede seu lugar para outros sentimentos mais atemporais do que o
preferível: arrependimento, inocência, saudade. A meu ver, escrever nunca foi
um gosto a ser aperfeiçoado a cada artigo científico que precisei escrever, ou
a cada mensagem de aniversário que dediquei a um amigo. E, definitivamente, não
foi algo afinado a cada declaração de amor que divulguei por aí. A tragédia de
qualquer escritor é ter um histórico de mensagens ao seu dispor.
O que um ego reúne para a posteridade, ele
destrói na mesma intensidade. Toda vez que relê o que deixou marcado numa folha
de papel de outrora, e se depara com a frequência do uso de certas palavras que
já não fazem mais parte do seu vocabulário. É nessas horas que me lembro da
minha professora de português do ensino médio, nos alertando constantemente
sobre evitar o uso de termos absolutistas. “Tudo”.
“Nada”. “Nunca”. O que explica meu movimento involuntário de fundamentar
meus pensamentos pelo prefixo de um “talvez”. Uma atitude positiva para a vida,
mas fantasmagórica para um texto.
Em um mundo cada vez mais online, estar sem internet é como viver
em uma ilha deserta. Para sobreviver, o que resta é procurar conforto no que
permanece offline. As cartas
guardadas, os rascunhos amassados, os desenhos em contracapas de cadernos
escolares. A máxima alegoria de Fernando Pessoa sobre “uma vida inteira que poderia ter sido e não foi”, resumida a
documentos sem nome do Word e lembranças efêmeras amaldiçoadas com as piores
palavras do mundo: “para sempre”.
O número de pessoas para quem prometi
estar sempre presente é proporcional ao número de cadeiras vazias ao meu redor.
Nomes sem rostos ligados a eles, atrelados a promessas aparentemente
definitivas feitas em lugares que sequer existem mais. A única coisa que existe
para sempre é o nosso descaso com o tempo. O resto está salvo no meu disco
rígido, sem significado algum a não ser pelas músicas que anexei às minhas
crônicas. E ao julgar pelas evidências, eu escuto as mesmas músicas há quase
dez anos. Imaturidade musical, felizmente, é o único tipo ainda permitido por
lei.
Se você me conhece por um tempo similar
ao da minha trilha sonora, existe algo escrito aqui sobre nós. Sobre como nos
conhecemos. Os momentos que tivemos. As risadas que compartilhamos. As brigas
que resolvemos. A vida que poderia ter sido e realmente foi para nós, até
seguirmos em frente. Nesse meio tempo eu também escrevi sobre o quanto amei
você, até o tempo nos empurrar em direção ao amor por outras pessoas. Porque é
isso que o tempo faz conosco. No mínimo, é o que “sempre” fez.
Eu ainda considero que os melhores
textos escritos por mim foram aqueles dedicados a alguém. Em aniversários,
desejando os meus parabéns por mais um ano. Em ocasiões especiais, como forma
de comemorar e deixar algo registrado naquela data. E principalmente, quando
nosso amor precisava ser compartilhado do modo mais romântico de todos: por
palavras. Emolduradas em uma história estrelada por nós, para fazer você sorrir
e para inspirar outras pessoas a continuarem procurando alguém que fizesse
valer a pena o empenho. A árdua tarefa de traduzir um sentimento único por um
meio comum, acessível, e universal.
Quase dez anos, mais de 700 textos,
inúmeras músicas e incontáveis pessoas depois, eu ainda estou aqui. Escrever
não é um passatempo, é uma necessidade. Cada um encontrará um meio de se situar
nesse mundo. Um suporte que lhes ampare e ajude a recuperar o fôlego quando a
vida parecer sem sentido. Este é o meu. “Sempre”
foi. “Sempre” será. Na saúde e na
doença, na riqueza e na pobreza, abrindo mão de todos os outras palavras em
prol de uma em especial, até que a morte nos separe. E quando isso acontecer, você
poderá ao menos se reconfortar com a possibilidade de reler a minha história.
Eu não sei aonde isso irá levar. Não
sei como irá acabar. Não sei o que mais pode acontecer e, ao julgar pela
experiência até agora, jamais estarei preparado para o que vier. Só o que posso
fazer é continuar tomando notas sobre a minha realidade e as pessoas em sua
órbita. Algo que fiz, faço e pretendo continuar fazendo por amor. Ou como diria
Vinicius de Moraes, nas molduras daquele
soneto que jamais decorarei por
inteiro: “De tudo ao meu amor serei
atento / mas que seja eterno enquanto dure.”
Continue lendo. Talvez o próximo
capítulo seja sobre você.
Comentários
Postar um comentário