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A insustentável leveza do crescer



Ninguém em sã consciência escolheria ser adulto. Os boletos, os compromissos, as trinta e cinco tentativas de acionar o “soneca” para evitar o despertador todas as manhãs. Equilibrando a alimentação ruim com o sobrepeso, as noites mal dormidas com as olheiras, as dores de cabeça com os fones de ouvido para fugir de estranhos no ônibus que pouco a pouco se tornaram familiares. Relembrando os tempos de colégio a cada reencontro com um semi-conhecido, e suspirando fundo ao quase esbarrar com um colega de firma a caminho do banheiro. Talvez seja o cinismo que só um jovem adulto às vésperas dos 27 anos é capaz de desabafar, mas nem isso diminuiria a verdade da afirmativa: ser adulto não é para qualquer um. Por isso há anos defendo minha própria teoria: adultos não existem.

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O maior ato de caridade direcionada ao meu ego que recebi atualmente foi o de uma professora nova. Entre normativas pedagógicas e genuíno interesse para saber exatamente com quem ela estaria lidando pelos próximos meses do semestre, ela não apenas perguntou quem eu era, mas quem eu ainda gostaria de ser. Quando disse a ela que estava insistindo nesta vida pelo ideal de me sustentar com base nas palavras que sabia escrever, em um discurso encharcado de sarcasmo e cerveja barata vendida por um boteco barato cujo qual eu havia visitado anteriormente, ela foi cirúrgica em suas pontuações. Todos os traços definitivos estavam ali: o desdém pela humanidade, o olhar cansado, a voz grossa e melancólica, o sorriso sarcástico, a barba por fazer, os cabelos brancos precoce, todos envolvidos em uma jaqueta de couro, uma camiseta preta e uma tentativa incessante de passar despercebido pelo mundo enquanto, concomitantemente, tentava se atentar a ele para saber como descrevê-lo em uma crônica. Isto é, caso sentisse qualquer vontade ou capacidade de escrever algo novamente. Era um escritor, sem dúvida. Atormentado por uma relação de amor e ódio com o mundo em seu entorno, e um ego igualmente fragmentado e cultuado para mantê-lo em seu curso. Mesmo sem acreditar que sabe exatamente para onde está indo.

Claro que essas não foram as palavras que ela usou – são todas minhas. O que, por sua vez, só tende a credenciar meu caráter.

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Assim como tudo na vida, é tragicômico perceber que você enfim tem idade o suficiente para invariavelmente descobrir exatamente o quão subjetivo alguém pode ser. Por mais que gostemos de acreditar em definições, categorias e quaisquer outras formas de sentença para dar algum tipo de ordem ao mundo que nos cerca, tudo tende a ser situacional. As pessoas são boas enquanto elas estiverem bem. E quando não estiverem, não significa que você finalmente descobre como elas são. As aulas de língua portuguesa do colegial não recebem a importância que merecem, especialmente em se tratando de como é de fato fundamental entender a importância de um contexto. Se na natureza nada se cria, tudo se transforma ou, em termos mais leigos, “se copia”, por que diabos nós seriamos a exceção da regra? Não me leve a mal; você e eu temos nossas características inerentes, mas isso não quer dizer que estamos fadados a elas. Nós não apenas podemos mudar – nós simplesmente mudamos.

Acredite em mim. Nem que seja ao menos pelo simples fato de que, pela milésima vez nesta vida, estou rodeado de caixas de novo, rumo a outro lugar.

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Pode parecer apenas trágico, mas há quem diga também que é necessário aprender a discernir onde fica a linha entre o pessimismo e o realismo muito antes dos 27. Não existem adultos: existem sobreviventes. As pessoas que acordam cedo, lutando contra todos os impulsos de continuar dormindo e rejeitando a realidade – por mais confortável que ela seja – para ir à luta de algo que está solto pelo mundo afora. Talvez seja por um emprego, talvez seja por uma família, talvez seja por uma meta pessoal – como encontrar a cura para o câncer ou apenas tentar emagrecer. Ambos dotados pelo mesmo grau de dificuldade, convenhamos.

Apesar disso tudo, no entanto, nós como sociedade ainda carregamos por aí um estereótipo acerca do que é ser “adulto” que invariavelmente nos distancia dessa mesma realidade. Se adultos são homo sapiens com empregos estáveis e bem remunerados, com apartamentos impecáveis com sacada virada para o pôr-do-sol e porteiros prestativos, carros elétricos que consumem o mínimo e nos transportam ao máximo, relacionamentos impecáveis com parceiros perfeitos, débitos automáticos para os quais nenhuma atenção é necessária ser prestada, e currículos lattes cada vez mais enriquecidos pelo nosso tempo livre, dividido entre especializações e aeróbica para manter a forma, então o resultado é indiscutível: adultos não existem. E antes que você faça uma careta contra mim ao ler isso, pense duas vezes sobre o que te faz encostar a cabeça no travesseiro à noite sentindo-se insatisfeito. Refletindo sobre o que ficou faltando após a maratona de mais um dia. Ou surpreenda-se por lembrar de alguma segunda via de boleto que precisa ser emitida, porque a primeira desapareceu da face da terra. Seja lá qual for o seu processo, permita-se a segurança de estar certo ao menos sobre isso.

Podemos desconsiderar os outros setecentos e sei-lá-quantos posts anteriores – sobre amor, psicologia, jornalismo, relacionamentos, ou seja lá o que diabos eu senti vontade de escrever, mas que de alguma maneira fez sentido pra você – mas eu estou certo dessa vez.  Mas caso ainda pense que eu estou errado, considere uma alternativa e se agarre nela. Nem que seja para que te sirva de apoio depois de ler isso até o final.

Não, eu não sou um pessimista crônico. Sou apenas um cronista com tempo livre num domingo, entre as caixas rumo à minha próxima mudança e a bagagem emocional invisível que automaticamente vem à tona quando o assunto envolve algum aspecto de maturidade que eu tenho/deveria ter. Seja como for, somos todos crianças com experiências diferentes, contas correntes, acordos legais com nossos nomes como remetente, alguns pertences, uma família que felizmente ou infelizmente nunca irá nos abandonar, e a curiosidade esperançosa sobre o que mais pode vir a acontecer amanhã. Mas assim a natureza tragicômica da vida, tudo o que precisamos mesmo é de tempo para entender exatamente do que é feito o mundo à nossa volta.

Não somos nada a não ser crianças. Eternamente curiosas para descobrir o que seremos quando crescermos, um boleto de cada vez. Isso explica também porque é tão bom nos distrairmos com música.


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