Ninguém em sã consciência
escolheria ser adulto. Os boletos, os compromissos, as trinta e cinco
tentativas de acionar o “soneca” para evitar o despertador todas as manhãs.
Equilibrando a alimentação ruim com o sobrepeso, as noites mal dormidas com as
olheiras, as dores de cabeça com os fones de ouvido para fugir de estranhos no
ônibus que pouco a pouco se tornaram familiares. Relembrando os tempos de
colégio a cada reencontro com um semi-conhecido, e suspirando fundo ao quase
esbarrar com um colega de firma a caminho do banheiro. Talvez seja o cinismo
que só um jovem adulto às vésperas dos 27 anos é capaz de desabafar, mas nem
isso diminuiria a verdade da afirmativa: ser adulto não é para qualquer um. Por
isso há anos defendo minha própria teoria: adultos não existem.
***
O maior ato de
caridade direcionada ao meu ego que recebi atualmente foi o de uma professora
nova. Entre normativas pedagógicas e genuíno interesse para saber exatamente
com quem ela estaria lidando pelos próximos meses do semestre, ela não apenas
perguntou quem eu era, mas quem eu ainda gostaria de ser. Quando disse a ela
que estava insistindo nesta vida pelo ideal de me sustentar com base nas palavras
que sabia escrever, em um discurso encharcado de sarcasmo e cerveja barata
vendida por um boteco barato cujo qual eu havia visitado anteriormente, ela foi
cirúrgica em suas pontuações. Todos os traços definitivos estavam ali: o desdém
pela humanidade, o olhar cansado, a voz grossa e melancólica, o sorriso
sarcástico, a barba por fazer, os cabelos brancos precoce, todos envolvidos em
uma jaqueta de couro, uma camiseta preta e uma tentativa incessante de passar
despercebido pelo mundo enquanto, concomitantemente, tentava se atentar a ele
para saber como descrevê-lo em uma crônica. Isto é, caso sentisse qualquer
vontade ou capacidade de escrever algo novamente. Era um escritor, sem dúvida.
Atormentado por uma relação de amor e ódio com o mundo em seu entorno, e um ego
igualmente fragmentado e cultuado para mantê-lo em seu curso. Mesmo sem
acreditar que sabe exatamente para onde está indo.
Claro que
essas não foram as palavras que ela usou – são todas minhas. O que, por sua
vez, só tende a credenciar meu caráter.
***
Assim como
tudo na vida, é tragicômico perceber que você enfim tem idade o suficiente para
invariavelmente descobrir exatamente o quão subjetivo alguém pode ser. Por mais
que gostemos de acreditar em definições, categorias e quaisquer outras formas
de sentença para dar algum tipo de ordem ao mundo que nos cerca, tudo tende a
ser situacional. As pessoas são boas enquanto elas estiverem bem. E quando não
estiverem, não significa que você finalmente descobre como elas são. As aulas
de língua portuguesa do colegial não recebem a importância que merecem,
especialmente em se tratando de como é de fato fundamental entender a
importância de um contexto. Se na natureza nada se cria, tudo se transforma ou,
em termos mais leigos, “se copia”, por que diabos nós seriamos a exceção da
regra? Não me leve a mal; você e eu temos nossas características inerentes, mas
isso não quer dizer que estamos fadados a elas. Nós não apenas podemos mudar –
nós simplesmente mudamos.
Acredite em
mim. Nem que seja ao menos pelo simples fato de que, pela milésima vez nesta
vida, estou rodeado de caixas de novo, rumo a outro lugar.
***
Pode parecer
apenas trágico, mas há quem diga também que é necessário aprender a discernir
onde fica a linha entre o pessimismo e o realismo muito antes dos 27. Não
existem adultos: existem sobreviventes. As pessoas que acordam cedo, lutando
contra todos os impulsos de continuar dormindo e rejeitando a realidade – por mais
confortável que ela seja – para ir à luta de algo que está solto pelo mundo
afora. Talvez seja por um emprego, talvez seja por uma família, talvez seja por
uma meta pessoal – como encontrar a cura para o câncer ou apenas tentar emagrecer.
Ambos dotados pelo mesmo grau de dificuldade, convenhamos.
Apesar disso
tudo, no entanto, nós como sociedade ainda carregamos por aí um estereótipo
acerca do que é ser “adulto” que invariavelmente nos distancia dessa mesma
realidade. Se adultos são homo sapiens com empregos estáveis e bem remunerados,
com apartamentos impecáveis com sacada virada para o pôr-do-sol e porteiros
prestativos, carros elétricos que consumem o mínimo e nos transportam ao
máximo, relacionamentos impecáveis com parceiros perfeitos, débitos automáticos
para os quais nenhuma atenção é necessária ser prestada, e currículos lattes
cada vez mais enriquecidos pelo nosso tempo livre, dividido entre
especializações e aeróbica para manter a forma, então o resultado é
indiscutível: adultos não existem. E antes que você faça uma careta contra mim
ao ler isso, pense duas vezes sobre o que te faz encostar a cabeça no travesseiro
à noite sentindo-se insatisfeito. Refletindo sobre o que ficou faltando após a
maratona de mais um dia. Ou surpreenda-se por lembrar de alguma segunda via de
boleto que precisa ser emitida, porque a primeira desapareceu da face da terra.
Seja lá qual for o seu processo, permita-se a segurança de estar certo ao menos
sobre isso.
Podemos
desconsiderar os outros setecentos e sei-lá-quantos posts anteriores – sobre amor,
psicologia, jornalismo, relacionamentos, ou seja lá o que diabos eu senti
vontade de escrever, mas que de alguma maneira fez sentido pra você – mas eu
estou certo dessa vez. Mas caso ainda
pense que eu estou errado, considere uma alternativa e se agarre nela. Nem que
seja para que te sirva de apoio depois de ler isso até o final.
Não, eu não
sou um pessimista crônico. Sou apenas um cronista com tempo livre num domingo,
entre as caixas rumo à minha próxima mudança e a bagagem emocional invisível
que automaticamente vem à tona quando o assunto envolve algum aspecto de
maturidade que eu tenho/deveria ter. Seja como for, somos todos crianças com
experiências diferentes, contas correntes, acordos legais com nossos nomes como
remetente, alguns pertences, uma família que felizmente ou infelizmente nunca
irá nos abandonar, e a curiosidade esperançosa sobre o que mais pode vir a
acontecer amanhã. Mas assim a natureza tragicômica da vida, tudo o que
precisamos mesmo é de tempo para entender exatamente do que é feito o mundo à
nossa volta.
Não somos
nada a não ser crianças. Eternamente curiosas para descobrir o que seremos
quando crescermos, um boleto de cada vez. Isso explica também porque é tão bom
nos distrairmos com música.
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