A primeira DR do mundo certamente
começou quando Adão respondeu Eva sarcasticamente enquanto eram expulsos do
Jardim do Éden por terem sucumbido ao fruto proibido.
Eva: E agora, o
que faremos?
Adão: Não sei.
Quer comer alguma coisa?
Até aquele momento tudo havia sido criado por Deus. Discutir
relação, no entanto, foi a primeira obra colaborativa do mundo. E se de fato
foi assim que começamos, não há como fingir surpresa diante de qualquer
briguinha cotidiana. Sobre nunca responder as mensagens no WhatsApp, esquecer a
data do aniversário de namoro, deixar a louça suja para o outro lavar, bater
com força a porta do carro, apagar fotos, não atender ligações, acusar o outro
de ser egoísta, dramático, grosso, insensível, preguiçoso... Insira aqui o
motivo da última briga que teve com ele(a), e sinta-se reconfortado por já
estarmos no fundo do poço. O pecado original nos tornou humanos, ou seja, as
coisas não vão melhorar muito.
Humanos são seres sensíveis com emoções complexas, assombrados
pelos erros das gerações passadas e pelo futuro que suas próprias ações podem
causar. Somos, portanto, nada mais do que plantas bipolares, transitando entre
complexos de grandiosidade e auto-estima baixa, aos olhos do Criador. Qual
seria então a grande surpresa diante de qualquer conflito emergente entre duas
pessoas que, mesmo indo literalmente contra todas as possibilidades do mundo,
decidem ficar juntas?
Alguns milhares de anos depois, Jean-Paul Sartre, no auge do seu ateísmo
e ironia existencial, reafirmou o absurdo da obra de um suposto Deus ao cunhar
sua mais famosa frase: o inferno são os outros. A maior dificuldade em conviver
com outro ser humano está na constante dúvida a respeito do que ele está
pensando, ou o que ela quer, ou do que ele gosta, ou o que ela quis dizer com
aquilo, ou porque ele nunca diz nada, e por aí vai. Como se já não bastasse a
intrínseca jornada que cada um deve fazer à procura de quem realmente é e o que
espera da vida, as pessoas insistem na noção de que fazer isso em duplas seria
mais fácil. Se a segunda criação colaborativa do mundo – o trabalho em grupo –
nos diz alguma coisa, é que estamos definitivamente condenados.
Mas nenhuma dificuldade, desilusão ou defeito foi perpétuo o
suficiente para acabar com o meu fascínio por relacionamentos. Se minha
primeira graduação foi dedicada a tentar entendê-los e a ajudar outros a
sustentá-los, minha segunda formação tem sido voltada ao aprimoramento técnico
para registrá-los. E de antemão a qualquer curso superior, sempre foi o sonho da
minha vida fazer parte de um. Há quem diga que haja um sério distúrbio de
ambição nessa meta, mas eu devolvo o mesmo argumento aos críticos. Nada irá
testar seus valores, ou trará à tona quem você realmente é, ou validará
qualquer conquista que você atinja, do que um relacionamento. Seja ele
familiar, profissional, romântico ou – por que não? – bíblico, um verdadeiro
sujeito só se constrói em meio à vida a dois.
Fazer parte de um relacionamento é e sempre será a experiência
mais envolvente, desafiadora, estressante, cansativa, desgastante, e incrível
da sua vida. Por isso frisam tanto o ‘x’ da questão: o tal do amor ao qual
sempre se referem. Quando você ama, você fica. Quando ela ama, ela perdoa.
Quando ambos amam, ambos perduram.
Então é isso: nós brigamos. Como nossos pais faziam, nossos
ancestrais antes deles, e Adão e Eva no princípio. Eu defenderia ainda que a
moral da primeira história do mundo não envolve ser seduzido por serpentes,
respeitar limites, ou não jogar o lixo na grama – que é provavelmente aonde foi
parar o caroço da maçã. Ok, Adão e Eva pecaram, foram repreendidos, expulsos e
fadados a dependerem um do outro para sobreviver ao mundo, mas ficaram juntos
até o fim. O primeiro casamento do mundo, completo com suas dificuldades,
dramas, desavenças, momentos bons no paraíso e momentos ruins fora dele. Talvez
a moral seja essa: sobre continuarem juntos, apesar dos pesares, até que a
morte os separe.
De acordo com registros, Adão viveu até os 93 anos, mas nada se
sabe sobre Eva. O que eu arriscaria dizer, no mínimo, é que nenhum dos dois
morreu com fome.
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