Não existe, ao menos nas minhas pesquisas, um nome ou estudo acerca do suposto medo de ser burro. O que, por sua vez, só contribui para minha mais recente neurose. Como se minha ansiedade, paranoia e insônia precisassem mesmo de companhia para discutir, enquanto tento estudar (ou decorar) os 78 incisos existentes da Constituição Federal. Não obstante, estudar para um concurso público também contribuir para desbloquear duas habilidades, desconhecida até então: a facilidade para guardar mnemônicas, e a dissociação das mesmas às matérias que deveriam ajudar a relembrar. “L.I.M.P.E.”, por sua vez, pode servir para te lembrar dos cinco princípios da Administração Pública, ou da faxina iminente do fim de semana.
Tudo isso para admitir que, diante da tentativa de uma hipotética mudança de vida, eu sempre tive medo de ser burro demais para o serviço público. Não que os exemplos da vida real não operassem como belíssimos exemplares do quão distorcida é a minha visão do funcionalismo público. Ou, no mínimo, no quão baixo parece ser o padrão vigente. A questão em si foge de toda a realidade, no entanto. Apesar dos diplomas, dos certificados de cursos estudados, das habilidades que constam no currículo, e de toda experiência profissional que um jovem idoso de 27 anos já pôde reunir: seria isso o bastante para garantir uma aprovação? Ao julgar pela miríade de apostilas, videoaulas, anotações e artigos constitucionais que tem preenchido os meus dias, não.
A chave para o sucesso – e para a boa venda de um livro de autoajuda ou artigo motivacional – está no autocontrole. Ou, no mínimo de tensão possível diante do fato de que seu futuro, querendo ou não, depende só de você. A própria Psicologia denomina esse fenômeno de diversas maneiras – a adoção delas fica literalmente a gosto do cliente. O Existencialismo prega a noção básica e universal sobre a responsabilidade do mundo ao seu redor como diretamente relacionada à sua própria escolha de existir nele, e os meios pelos quais você torna isso possível. A análise do comportamento sugere o exercício diário da inteligência emocional como forma de equilibrar a ansiedade e a tensão diante do desconhecido ao seu redor. Freud acha que a culpa é tudo isso é da sua mãe, e por aí vai.
A verdade, singular e ampla para toda a minha existência, reside em uma única e aparentemente inexistente fobia formal: o medo literal de ser menos inteligente do que o necessário para ser bem sucedido nessa vida. Talvez na anterior eu tenha sido mais confiante, ou então, mais sorte na próxima encarnação. Aqui e agora, sigo preocupado. O que justifica minha incessante ansiedade sobre um futuro profissional funcional e, antes disso, várias sessões de terapia vocacional para responder à angústia de todo estudante de Ensino Médio: o que você quer ser quando crescer? E a pergunta bônus oculta no questionamento: o que você quer fazer pelo resto da sua vida?
É o sentimento quase fatal que sempre me deixou com ressalvas diante dos editais de concurso público que meu pai invariavelmente encaminhou para mim por WhatsApp ou e-mail no passar dos anos. Não que a iniciativa privada seja a solução dos problemas do homem moderno, mas há uma liberdade inerente a todo contrato de trabalho indeterminado que sempre deu um ar de mistério às minhas empreitadas. Desde que Fernando Pessoa nos concedeu a lógica fundamental sobre termos todos os sonhos do mundo à nossa disposição, a consequência resume-se a uma questão de probabilidade matemática: quantas vidas eu ainda posso ter em meio a esta? A equação só não leva em consideração a relatividade do tempo: quanta energia você ainda está disposto a gastar para começar tudo de novo, mais uma vez? Eu não sei.
Só o que sei é que, pela primeira vez nesta vida, vou arriscar ir um pouco além do mundo que conheço. Finalmente colocando à prova o quão eficaz é este cérebro. O mesmo que passa tanto tempo questionando o motivo pelo qual o Pato Donald usa uma toalha enrolada na cintura ao sair do banho – se ele nunca usa calças – também se sairia tão bem ao balancear fundamentos, objetivos e princípios do direito constitucional brasileiro? Veremos.
Ao mesmo tempo em que gostaria de manter minha pequena aventura reservada para entes próximos e neuroses íntimas, todo artigo motivacional que li também frisa a importância de uma boa rede de apoio. Ainda, ressalva-se que o desabafo em si já contribui para uma bagagem emocional menor durante a prova. Nos atentemos também que a adesão desta crônica tende a ser tão inconsequente quanto a leitura de editais ou termos de uso, resumindo a jurisprudência da mesma aos meus eternos fãs: meu amor, minha mãe, e um ou outro desavisado que não imaginava o quão inútil seriam todas essas linhas.
Para registro: o medo de não ser bom o bastante ou de sentir-se insuficiente se chama “atelofobia”. O termo “atelo” em si é um jargão usado em Medicina para referir-se a algo incompleto ou imperfeito. Enquanto isso, “atelo” soa como “aterro”, que parece ser só mais um lembrete de que preciso limpar minha casa nesse fim de semana.
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