Viver é o que acontece quando se está ocupado chorando em público por sentir que não está vivendo direito. Ao menos, foi o que me veio à mente enquanto me aprofundava numa maratona de estudos sobre conceitos gerais da Língua Portuguesa, até me deparar com um conceito curioso. Nas entranhas da análise gramatical das palavras, escondido de todos os outros termos que possuem sentido e justificativa para existirem em uma oração, existe uma partícula microscópica e assombrada. Alheia a interlocutores e seus respectivos significantes, um termo que carrega consigo todas as possibilidades do mundo, e nenhuma delas ao mesmo tempo. O índice de indeterminação do sujeito (IIS): “se”.
Ironicamente, foi um “se” que me levou a relembrar tal conceito. Visto outrora no auge do meu Ensino Médio, entre apostilas preparatórias para o vestibular e provas de recuperação aplicadas em dezembro – depois de ter falhado em avaliações anteriores onde foi solicitado que eu identificasse a natureza do “se” em uma frase. Vez por outra, é fruto da voz passiva do verbo. Mas quando mostra-se inflexível e intransigente, alterando o sentido da frase para melhor lhe atender, o “se” é classificado como IIS. Não se sabe quem é o sujeito, apenas o que ele quer (ou não quer) em dada sentença.
Para um garoto de 17 anos, é justo que ele perceba uma igualdade entre os “se”s, achando que todos querem dizer a mesma coisa e, consequentemente, pertencem à mesma classe. E por mais que não pertençam, quem se importa? Não é como se uma pequena e confusa sílaba pudesse ter diferença sobre o meu futuro, não é? Bom...
Dez anos e sete videoaulas preparatórias para concursos públicos depois, finalmente temos a resposta: se não acertar todas as questões relacionadas à Língua Portuguesa, será difícil ser aprovado. O que nos leva ao presente do (meu) indicativo: eu decidi fazer algo a respeito sobre o meu futuro, em vez de só chorar por minha própria indeterminação. Porque eu tenho sonhos para realizar, cabelos brancos para acalmar, e uma festa de casamento para bancar.
Ironia ou não, a crise dos vinte e poucos anos cessa tão repentinamente quanto te atinge. A sensação de estar falhando, ou de estar atrasado, ou de estar perpetuamente destinado a viver no lugar errado, na hora errada. Tudo isso somado à ilusão de que todos ao seu redor tornaram-se adultos emocionalmente e financeiramente bem sucedidos, magicamente da noite pro dia, e nenhum deles jamais revelará o segredo.
A vida é uma incógnita enrolada num nó atrelado a um enigma encoberto por um mistério, cujo único propósito é te fazer chorar (em pé) no transporte público. Isto é, até finalmente chegar aos 30: marco que lhe compete a habilidade de chorar em qualquer lugar. Ou eu posso estar errado e a sensação seja outra – como se perder da mãe no supermercado, pra sempre, e descobrir que todos os adesivos de cadernos do Ensino Fundamental que você guardou para “depois” na verdade nunca serão aplicados a lugar algum. Sei lá.
Tudo que sei é que, duas semanas atrás, eu estava chorando pela sensação de não saber mais o que estava fazendo da vida. Até navegar aleatoriamente pela internet e ser surpreendido por tudo que eu nem sabia que estava procurando – na forma de um edital prestes a ser encerrado. Alguns sonhos surgem por destinos a serem trilhados, outros por oportunidades que se apresentam. E se tiver mesmo sorte, alguns estarão disponíveis online – mediante o pagamento de uma taxa administrativa.
Eu não sei o que irá acontecer. Mas pela primeira vez em muito tempo, isso é bom. A vida tem um jeito de te deixar pra baixo, tão forte quanto algo aleatório pode surgir para te reerguer. Às vezes, na forma de alguém que te lembra do que é capaz. Às vezes, numa crônica que te ajuda a superar um medo de deixar de sonhar que estava se infestando na sua imaginação. E, por fim, às vezes como um pequeno detalhe ortográfico, perdido e indecifrável entre tantos outros, que te faz perceber o quão determinado você conseguiu se tornar, da noite pro dia.
E se der certo? E se não der? No mínimo, é bom voltar a acreditar.
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