Já passava das sete da manhã quando me dispus a tentar mais uma vez. Apesar dos desenganos do dia anterior, estava diante da benção e desgraça simultâneas por ser capaz de sair da cama e enfrentar o mundo de novo. Brinco que não se pode ganhar todas, mas perde-las parece infinitamente viável. Ou, então: “vai; se der medo, volte”. Por bem ou por mal, crendo menos em mim do que era preferível até então, joguei uma água na cara para tentar acordar, calcei os tênis de corrida e fui.
Porque tudo se resume a isso, no final das contas: morra ou volte a correr. E sinta-se grato por estar vivo e ainda conseguir se arrepiar com o vento frio matinal cortando sua pele. É melhor do que o nada.
Dor talvez seja o estímulo mais significativo de todos. Intransferível e intraduzível, ela é o que nos desperta e nos ensina. Existem maneiras menos infames de vivenciar o mundo ao seu redor, mas são poucas as que se aproximam da experiência de cortar-se, queimar-se ou chocar-se com a realidade.
Apesar do desprazer, a dor é maravilhosa. Sentir os pés queimando a cada passo da corrida é a sensação que eterniza o trajeto percorrido até aquele ponto da estrada, ao qual você decidiu alcançar. Mas levantar-se, calçar os tênis de corrida e enfrentar o mundo rumo a ele, parece ser mais fácil em tese do que em pé.
E ao contrário do que dizem por aí, ninguém nasce com fôlego. Se fosse o caso, não chegaríamos ao mundo estreando nossos pulmões a choros agudos e desesperados. Não estávamos preparados para usá-los, tampouco o compreendíamos. E certamente, naquele primeiro momento, a garganta doeu. Mas era tanta agonia, tanta desorientação, tanta confusão, que precisávamos colocar tudo para fora.
Talvez seja daí que nasça a ideia de que precisamos nos expressar. Dar vazão às emoções e, quem sabe, literalmente colocar o pé na estrada. A alternativa – fugir, figurativamente – parece ser menos eficaz em longo prazo. Chegamos mais longe quando nos movemos, de fato.
Ontem eu me feri. Anteontem, também. E por mais que a vontade de me esconder debaixo de um escudo acolchoado na minha cama fosse o meu maior desejo, eu não poderia parar de correr. Nem se eu quisesse. Mesmo que outra pessoa pudesse correr por mim, outra pessoa automaticamente chegaria aonde eu gostaria. Minha única opção seria observá-la de longe, acenando à distância, enquanto o sol se põe em mim.
Ontem doeu. Significa que só existe uma coisa a ser feita: tentar de novo. Felizmente, pouco depois do nascer do sol de hoje, eu estava de volta às pistas. E se eu conseguir manter minha inspiração, depois de mais uma dura lição de humildade e resiliência, ao pôr do sol estarei correndo de novo.
Enquanto estamos vivos, o sol nasce e se põe todos os dias. O que você faz nesse meio tempo, só depende de você. Ou você desiste de se mexer, ou tenta seguir adiante. Às sete da manhã, eu decidi recomeçar. Com isso, não deveria me surpreender por sentir que já cheguei mais longe do que ontem.
O sol vai se pôr, mas não em mim. Doeu, mas eu aprendi. Obrigado pela oportunidade.
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