Pular para o conteúdo principal

A teoria de conjunto


Todo relacionamento é uma equação: a soma de duas pessoas e suas respectivas histórias, famílias e traços de personalidade, elevada às mais infames neuroses, desconcertantes inseguranças e infinitos questionamentos, multiplicada pelo tempo que passam juntos, dividida pelas dificuldades que enfrentam tanto pelo mundo afora quanto entre quatro paredes. No entanto, apesar de todas as variáveis possíveis, quem decide se a conta bate ou não, são vocês dois.

Eu nunca fui bom em matemática. A prova disso está nos meus boletins do Ensino Fundamental, sempre atrelados a um período extra de recuperação ao fim de cada ano. Todo dezembro parecia ser destinado a aprender o mínimo possível para satisfazer um conselho de classe sobre meus conhecimentos em álgebra.  Mas como todo adolescente alienado, meu interesse sempre priorizou amor à aritmética – um raciocínio ilógico se tivesse considerado o que sei hoje sobre teoria de conjunto.

Basicamente, a teoria de conjunto envolve uma relação matemática de agrupamento de elementos, mediante a pertinência, inclusão ou ausência dos mesmos. Traduzindo para a vida real, basta olhar para nossos relacionamentos e tentar voltar ao ‘x’ da questão – se o que vivo com ele(a) é de fato funcional ou fadado a uma eterna inequação. Pertencemos um ao outro? Estamos incluídos na rotina do outro? Ou não há nenhum elemento em comum entre nós? E você pensava que matemática não poderia ficar pior.

Eu penso muito sobre isso – relacionamentos e seus planos cartesianos. Talvez todo compromisso ilustrado por um gráfico inevitavelmente seja representado por uma linha caótica de evolução. Porque apesar da propaganda a nosso respeito – sobre sermos seres racionais – não somos dirigidos pela lógica o tempo todo. Pelo contrário: sentimos angústia, medo, dúvida, ansiedade (muita ansiedade) e, vez por outra, alegria. Influências externas demais para garantir a ascensão ou declínio concreto de uma linha.

Não é à toa que existem teorias que contradizem as noções de ordem e conformidade no universo. Há um caos inerente a todo ser cuja programação não é finita. Claro, chegamos a uma certa idade com configurações padrão – obedeça seus pais, olhe para os dois lados antes de atravessar a rua, não jogue lixo no chão – e somos aprimorados por outros sistemas: aprendendo noções de História, Geografia, Física, Biologia. Mas quem em sã consciência nasce sabendo como se comportar em relacionamentos? Apesar do meu afeto pelo estudo da matéria, eu nunca soube.

Voltando à matemática, que parece ser a base inevitável para a construção de qualquer sistema – desde os que nos avaliam até os que regem a nossa vida em aniversários – não há como desconsiderar a teoria de conjunto. Ela vem de outro mundo, outras experiências, outros gostos e outros desprazeres. Eu, com toda a minha bagagem, entro em imediato contraste com ela à primeira vista. Em meio a toda a bagunça que criamos, como encontrar uma intersecção para chamar de nossa?

Todo conjunto, como via de regra, cria uma interseção em sua união. Diferindo o que é seu, o que é meu e o que é nosso. Seu espaço, meu espaço, nosso espaço. As coisas idiotas que faço sozinho, as coisas estranhas que você faz sozinha, e as coisas incríveis que conseguimos fazer juntos  - como viajar, constituir família, traçar planos, receber parentes de fora, conhecer restaurantes novos, dividir fraquezas, passar horas no sofá em frente a TV, e finalmente descobrir o que é ‘x’ e qual é o seu valor. 

‘X’ é o desconhecido – a vida que estamos interlaçando cada vez mais a cada dia, cada descoberta, cada dificuldade e cada debate sobre o que queremos um com o outro ou aonde queremos chegar.  Não é à toa que, nos tempos de escola, era preciso mostrar mais do que o resultado final: de nada valeria sem todo o cálculo feito para encontra-lo. Em matéria de relacionamentos, ou você se dispõe a estudar os elementos necessários para ter uma vida a dois, ou anula a questão.

Todo relacionamento é uma equação. A prova final da teoria de conjunto, enfim, é o casamento.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha mela...

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ...

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento...