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A teoria do caos criativo


Acredite: há um processo criativo por trás de tudo que existe no mundo. Convenhamos que nem sempre são sucessos – às vezes as palavras erradas são usadas pra traduzir um sucesso americano, por exemplo. Mas somos guiados por regras, como base, e atingimos nosso ápice por meio das escolhas apresentadas por elas. 

Judi Dench, em um dos seus papéis mais despercebidos pela crítica no meu filme favorito –Nine, a adaptação moderna do clássico musical de Frederico Fellini, 8 ½ – emoldura perfeitamente a essência do mundo, do cinema e, acidentalmente, da psicologia existencialista em uma única fala. 

Diante da crise existencial de Guido (Daniel Day-Lewis) sobre como começar a trabalhar em seu novo filme, sua assistente/figurinista Lilli (Dench) é maternalmente curta e grossa:



“Dirigir um filme é um trabalho muito superestimado; todos sabemos disso. Você só precisa dizer ‘sim’ ou ‘não’. O que mais você faz? Nada. ‘Maestro, isto deve ser vermelho?’ Sim. ‘Verde?’ Não. ‘Mais figurantes?’ Sim. ‘Mais batom?’ Não. Sim. Não. Sim. Não. Isso é dirigir.”

Adapte esse princípio a todas as decisões da sua vida, somado a três profundos suspiros, e decida aonde pretende chegar. “Vou escrever meu TCC hoje?” Não. “Deveria?” Sim. “Posso me dar ao luxo de procrastinar por mais um dia?” Não. “Mas irei?” Sim. E é assim, meus amigos, que se conclui uma graduação.

Mas voltando aos processos criativos, nos bastidores do mundo. Por mais desalinhada que determinada ideia seja em relação à proposta inicial, ela, no mínimo, foi rascunhada num pedaço de papel primeiro. É o que acontece com Guido – se continuarmos a nos apoiar no meu clássico pessoal – ao tentar decidir o que escrever na página um. “Página um, página um...Como se começa essa coisa?!” ele repete, até amassar o papel e jogá-lo fora. 

Eu costumava duvidar do poder da inspiração, em uma lógica à lá Faustão (“Quem sabe faz ao vivo!”), mas nem sempre o resultado faz jus ao artista. Mesmo levando adiante minha natureza arrogante de ignorar papeis destinados a receber rascunhos de dissertações, já passei por situações onde eu não sabia o que queria dizer. 

Em vez de sucumbir à necessidade de elaborar um rascunho, só coloquei-me a escrever veementemente, jamais imaginando aonde iria parar. Arrisco dizer até que, na verdade, todas as minhas redações até hoje foram assim. Inclusive esse mais recente desabafo infame.

Talvez Nine seja meu filme favorito exatamente pela (falta de) metodologia empregada por seu protagonista. Diante da imprensa, da crítica e milhares de fãs, Guido anuncia o início das filmagens de seu novo filme – sem ter escrito sequer uma palavra do roteiro. Além das sequencias musicais imaginárias, Guido e eu temos em comum o ego – o maldito ego – alheio a prazos e planos, convencido de que seu talento se traduzirá mais uma vez na tela; o dele, no cinema, e o meu, no computador.

A questão é universal: há um processo criativo por trás de tudo no mundo. Cada TCC procrastinado é, primordialmente, originado por uma ideia. E seu orientador fará exatamente o que seu título lhe confere: orientará, mas não obrigará nenhuma escolha da sua parte. Salvo pelas normas da ABNT, as linhas que você irá formatar nesses padrões podem dizer o que você quiser. Coesão e coerência são optativas, mas são definitivamente um diferencial.

Quanto a mim, sigo sendo regido por um fenômeno natural inerente a qualquer jovem de vinte e poucos anos, estressado ft. sonolento, tentando chegar a mais um fim de semana. Nos meus bastidores, há o que sempre existiu: caos criativo. Disfuncional, mas eficaz. Desmotivado, mas produtivo.

Deveria estar escrevendo algo mais útil? Sim. Em vez disso, vou destinar esse tempo para curtir meu filme & trilha sonora favoritos? Pode apostar. #tbt


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