Apesar da aparente negação diária, este é um ano de desfecho em vários aspectos. É o fim de uma segunda, e sofrida, graduação. Sofrida, no sentido de energia envolvida num processo acadêmico longo e burocrático, em torno de mais uma capacitação a ser adicionada em meu currículo. Não me leve a mal – o novo diploma foi o que me trouxe até aqui, Forno do Iguaçu, que consegue ser árida até mesmo no inverno. Mas o que ainda não levei em conta, é o fato de que estes são os últimos meses. E ao contrário do questionamento que me motivou a arrumar as malas e agendar um caminhão de mudança, da última vez – “E agora? Isso vai dar certo?” – eu gosto de pensar que amadureci ao menos a ponto de reformular a pergunta: e depois? O que mais será que consigo fazer da vida?
Certamente é o que todas as inscrições para concursos públicos têm arriscado responder. Mesmo sabendo que um ego inflado tende a infligir efeitos colaterais, é bom voltar a ter a sensação de que não há nada que eu não possa fazer. Relativamente jovem, no crepúsculo dos vinte e tantos anos, qualificado para atuar em duas áreas de conhecimento... Se eu aprender a manter o coquetel de ansiedade e arrogância sob controle, as possibilidades são infinitas.
Anos atrás, aprendi a me amparei nos ensinamentos de uma professora demasiadamente rudimentar, embora deveras eficaz em sua docência. Desde as críticas sobre nossas posturas em sala de aula, até a escolha das palavras a serem empregadas para descrever um fato jornalístico, ela sabia que cada passo do caminho faz diferença – especialmente, porque sabia que estávamos num momento da vida que nos permite o luxo de escolher qualquer direção a seguir.
Porque chega um ponto em que é necessário estacionar, constituir uma base, plantar uma árvore, escrever um livro e traumatizar um filho para levar seu sobrenome adiante. Mas até que esse ponto da curva chegue, ainda podemos nos permitir alguns desvios, em nome das tais experiências de vida. Nem que seja para servir de exemplo do que não fazer para a posteridade.
Foi assim que ela – graduada, mestrada, doutorada e pós-doutorada – decidiu seguir adiante, abdicando todo o conforto e a segurança que seu currículo já poderia lhe proporcionar, para arrumar as malas mais uma vez rumo ao segundo pós-doutorado. Fazendo jus à sua primeira lição, assim que se apresentou à nossa turma, três anos e meio atrás: “Se um dia você deixar de sentir nervosismo antes de entrevistar alguém, ou antes de gravar uma passagem, ou antes de passar seu texto para a correção da editora, desista.” A sensação de dever cumprido estaria interligada a uma acomodação efêmera, contradizendo um dos principais mandamentos de qualquer escritor: não há nada que não possa ser reescrito de uma maneira melhor.
Orgulho à parte, não é à toa que as maiores obras do mundo estão inacabadas. Há algo a ser dito, e admirado, sobre o que não alcançamos. A peça que ficou faltando. O sinônimo que se encaixaria melhor. O acabamento perpétuo das magnum oppus alheias, em relação às nossas, é que traz vida à paixão que incentivou suas criações em primeiro lugar. Entre tantos devaneios, chegaríamos, portanto, a uma conclusão: seu trabalho nunca estará pronto, então procure continuar aprimorando-se. Ou então, caso sinta que sua chama interior está prestes a se apagar, mude de cômodo e dê luz a uma nova obra.
No meu caso, não significa necessariamente que me sinto acomodado neste novo cenário. Só significa que, depois de dez anos fora de casa, duas faculdades e inúmeras caixas de mudança, eu sei que posso fazer o que quiser – e posso ser bom nisso. Talvez eu volte para a Psicologia. Talvez eu siga adiante no Jornalismo. Talvez haja a possibilidade de uma união estável entre ambos. Ou talvez seja a hora de descobrir se uma carreira de servidor público é mesmo tudo aquilo que prometem. Eu não sei. Mas depois de tantos certificados, comprovantes de matrícula, lições de vida e descontos de pós-graduação para ex-alunos, é a primeira vez em muito tempo que pareço ter resgatado em mim todos os sonhos do mundo.
Claro, há uma linha tênue entre capacitações profissionais e prepotência juvenil. Mas se a paixão pela vida não é algo em comum entre elas, não sei o que mais poderia levar adiante na vida tanta gente talentosa, competindo com tanta gente ignorante, pelo mesmo caminho. Perdoe a infâmia, mas o começo do fim desses ciclos mexe comigo. Não acho que eu vá parar nos confins da Amazônia para estudar os meios de comunicação de tribos ameaçadas, mas é bom saber que a estrada adiante está livre.
Ou você se permite ser convencido de que pode alcançar sempre mais nesta vida, ou assista seu próprio fim. A primeira – e mais importante – paixão a ser reacendida sempre, é que você tem por si mesmo. O resto são linhas de currículo.
Gostei do texto..... Vida que segue.
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