Apesar do fim trágico – qualitativamente falando -, “Game of Thrones” deixou um legado para as próximas décadas, permeado pela célebre fase: “o inverno está chegando”. Não necessariamente redime o que aconteceu quando o inverno, de fato, chegou, mas a essência da antecipação é inerente a qualquer sucesso. É o mesmo motivo pelo qual as vésperas de Natal e Ano Novo são tão superiores aos dias seguintes: a expectativa do amanhã sempre se destaca diante das promessas que o dia de hoje cumpre – ou não. Seja como for, a imagem em especial também opera sobre um contraste atemporal – o inverno e suas familiaridades gélidas. Exceto no Brasil, que torna toda tradição que insiste em importar num inferno.
Assim como tantas outras coisas, eu costumava gostar do inverno. Mas é como diz uma famosa fala que, na falta de um autor melhor para atribuir-lhe o crédito, prefiro dizer que é mesmo do Printerest:
“Você diz que ama a chuva, mas abre o guarda-chuva quando sai. Você diz que ama o sol, mas procura sombras para se proteger dele. Você diz que ama o vento, mas mantém fechadas as janelas. Por isso me preocupo, quando você também diz que me ama.”
Com o tempo, sua relação com o mundo inevitavelmente muda. É isso, ou prender-se eternamente aos mesmos gostos musicais da sua adolescência – mas que adulto maduro e responsável admite sofrer ao som de Avril Lavigne e Radiohead em meio a outros adultos maduros e responsáveis? Enfim, as pessoas mudam. Os gostos variam. Os dias passam. E como é de se esperar, fábulas sobre o “felizes para sempre” cedem espaço para outras obras, como o inverno do nosso descontentamento.
Isso não necessariamente envolve algum tipo de crise de identidade a ser enfrentada – o equivalente emocional à Guerra Fria, substituindo as ideologias mercadológicas por temperamentais. Nós crescemos, aprendemos com nossos arredores e, na medida do possível, procuramos melhorar. É a metáfora do inverno em si: o período de branca obscuridade e frieza das paisagens, como forma de reagruparem-se e juntarem forças para continuar seguindo adiante quando o calor do sol voltar. As folhas dos galhos secam e caem, abrindo caminho para novas flores e sementes de sabedoria. Algumas coisas precisam ser destruídas, para dar lugar a coisas melhores. Nascemos e morremos, assim como os nossos afetos.
Em meio a toda essa variação de temperatura, há quem se perca nas estações. Prendendo-se a antigas preferências e árvores que não produzem mais sombra. O que, por sua vez, permite uma interpretação corporativa, herança de outro inverno. Mais do que um romance, o chamado “inverno do nosso descontentamento” foi um período de profunda crise no Reino Unido, no auge da estação entre 1978 e 79. Um capítulo peculiar da história consolidado por duas ocorrências: o inverno mais gelado da região em 16 anos, e o primeiro case de fracasso de gestão de crise.
Diante de um colapso socioeconômico, o líder do partido trabalhista, James Callaghan, completamente alheio às consequências enfrentadas pelos desempregados durante o inverno, retornou de uma “viagem a trabalho” (que incluiu um mergulho no Caribe) para cometer uma gafe histórica: convocar uma coletiva de imprensa para culpar a própria imprensa por divulgar uma “suposta recessão” no País. A contrapartida foi a clássica manchete do jornal The Sun no dia seguinte – “Crise? Que crise?” – que contribuiu para negativar por completo a imagem de Callaghan perante a população.
O primeiro passo para solucionar uma crise é admitir que ela existe. Em se tratando do meu desgosto contemporâneo pelo inverno, tive que buscar em meus próprios registros para averiguar exatamente onde e quando meu afeto foi desfeito, só para descobrir que a vida em geral parece ter se transformado em uma longa noite: só crise após crise, recessões crônicas e uma dificuldade imensa para esboçar qualquer movimento que não seja em direção a uma xícara de café. Minha crise em particular é única e indivisível – quase como o Reino Unido atual: é necessária uma reforma política e trabalhista urgente.
Entre todas as dificuldades, ao menos o inverno me ensinou a ser sincero sobre as atribuições futuras do meu afeto. Ao comprometer seu amor por algo – ou alguém – leve-o adiante, independente das adversidades das estações. O que me faz pensar que Callaghan talvez não estivesse mentindo abertamente para a imprensa, mas apenas tentando ganhar tempo para chegar de viagem, desfazer as malas e distribuir os brindes que trouxe do Caribe aos colegas do parlamento. Ou talvez ele merecesse mesmo perder as eleições para uma tal Margaret Thatcher em ’79.
Quando os ventos da mudança sobram, não há afeto instável que pare em pé. Só o essencial permanece: os amores verdadeiros e os clássicos da adolescência que, embora infames, nunca morrem.
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