Hemingway talvez tenha descrito da melhor maneira possível o sacrifício da literatura. “O único tipo de escrita que existe é a reescrita”, esboçou o jornalista. A célebre pérola encapsula a essência outrora empregada na tentativa do homem de tentar conceituar outros fenômenos alheios à sua limitação. Em se tratando da natureza, Lavoisier foi objetivo: “Na natureza nada se cria, tudo se transforma”. A música, por sua vez, nada mais é do que doze notas intercaladas por uma oitava, em uma ordem repetente.
O que todas essas ideias têm em comum? Simples. O mundo é como é, composto por suas extremidades e dotado de mil e uma possibilidades a serem exploradas nele. O modo como você o vê, no entanto, é único e intransferível. Por mais que você escreva, estude ou componha para traduzir como as coisas lhe parecem, sua essência particular permanece intocada.
Logo, é de se esperar que inevitavelmente esbarremos em clichês ao longo da vida. Sobre quem escolhemos ser, onde moramos, o que comemos, quem amamos, e quais comentários infames podem ou não ser feitos em uma reunião de trabalho, por exemplo. Percepção é realidade. O modo como te veem tende a moldar como as pessoas pensam que você é. Em contrapartida, quem coreografa os movimentos e edita os efeitos nas fotos a serem divulgadas para a posteridade, é você. À sua maneira, seja ordenada ou caótica.
Um dos benefícios de estar vivo é ser livre para ser uma bagunça. No mínimo, ninguém será tão desorganizado como você. E isso é bom.
É o que me motiva, por exemplo, a insistir na campanha de traduzir como vejo o mundo, diariamente e incansavelmente. Sobre mim, por mim, provavelmente pra nada, mas tampouco menos relevante por isso.
Se nos ensinam desde pequenos a dar valor ao que temos, isso também vale para as pequenas coisas. Os bilhetes que deixamos para nós mesmos, para assistir a tal filme ou procurar a letra de tal música. O modo como suas sobrancelhas se levantam diante de algo surpreendente ou absurdo. O tom desafinado da sua voz quando se sente nervoso. O suor frio correndo pela espinha quando se assusta. As lágrimas reprimidas nos cantos dos olhos quando uma onda de amor te invade, ao reencontrá-la no fim do dia. Tudo isso é seu.
É importante dar vazão a quem você é, de todas as maneiras possíveis, porque está é a sua única chance. Se houver uma próxima oportunidade, as cartas são embaralhadas e o jogo muda. Mas até aqui, agora, você ainda é você. Vivendo, ou não, tudo o que pode, enquanto pode. Por isso eu insisto, imprimo e invado tanto o mundo ao meu redor. Apesar do mau humor, das palavras malditas e dos medos inúteis, eles ainda contribuíram de alguma forma para todo o sucesso que eu já consegui alcançar.
Talvez você não mude o mundo. A verdade é que, por aparente via de regra, é mais fácil ser transformado por ele do que proporcionar o inverso. Mas a ordem das palavras, o meio ambiente e a trilha sonora ainda estão à sua disposição para serem escolhidas. Aproveite bem as oportunidades. Até onde se sabe, esta é sua última chance de ser você.
Não é à toa que me disponho a reescrever todos os dias. É isso, ou morrer.
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