Ser jornalista significa eventualmente entrar em contato com diversos personagens. Salvo alguns pronomes de tratamento específicos, no entanto, todos devem ser abordados da mesma maneira: com respeito e zelo pela fonte prestes a ser desbravada, resguardando seus direitos e os fins para os quais você foi pautado a seguir.
O que nem todos os jornalistas te dirão é que algumas fontes sempre serão mais ricas do que outras, independentemente do título que as precede.
Enfim, a pauta do dia era um evento X, cujos convidados A, B e C vieram de longe para prestigiá-lo e contribuir com suas chamadas expertises para o debate da mesa redonda em destaque. Poderia ser o começo de uma piada, mas não era: um pesquisador, um astronauta estrangeiro e um técnico de nível superior entraram num auditório...
A missão: gravar com o astronauta, ainda que em inglês, um breve depoimento sobre a relevância de tal encontro solene para a comunidade.
O desafio: passar pelos diversos assessores, assistentes e semânticas que separavam jornalista e fonte, antes que fosse tarde demais.
Literalmente — afinal, deadlines têm esse nome por um motivo...
Depois de certa hesitação e uma série de sussurros, o astronauta foi notificado sobre a necessidade de dar um depoimento ao jornalista da empresa que sediava o evento. Disse o que julgou pertinente, em três ou mais frases, posicionando os adjetivos certos nos lugares certos, carregados de sotaque, e voltou aos holofotes. O que não disse já havia sido apurado: de onde era, quantos diplomas possuía, quantas viagens fez, entre outros intertítulos.
Missão desgastante, porém cumprida.
À espera de uma carona para voltar ao escritório, pensando no mais recente episódio de pompa e circunstância que havia presenciado, fui surpreendido pelo guarda da guarita do espaço de eventos. “Ei, você é jornalista?” perguntou, provavelmente após reparar no meu kit de imprensa e credencial. “Sou sim” respondi, mesmo que ainda fosse um estudante na época.
- Veio falar com o astronauta famoso?
- Pois é. Era a estrela do evento...
Nisso, o guarda gritou para um colega próximo, apontando para mim. “Ele veio falar com o astronauta! Pensa só, que importante!”. Riram, impressionados.
– Quando ele passou por aqui, com toda aquela gente ao redor, deu pra ver que parecia ser alguém bem famoso.
- Ah, é? E deve passar muita gente famosa por aqui. Há quanto tempo você deixa esse pessoal entrar? Porque sem o senhor aqui, eles ficam pra fora, não é?
- Faz quase vinte anos. Logo me aposento. Lembro de um cara parecido, semana passada, que chegou do mesmo jeito. E mês passado, quando o presidente veio para um pronunciamento. Só figurão!
Foram quinze minutos de conversa até minha carona chegar. Seu nome era João, tinha 62 anos, casado, com duas filhas, natural da cidade, e sempre impressionado com as pessoas que chegavam ali para palestrar. Mas sem ele em seu posto, ninguém entraria. Segurança em primeiro lugar. Cara, crachá, cara, crachá, cara, crachá...
Eu não me lembro do evento, da cara do astronauta, ou dos adjetivos requintados que ele usou. O que ficou comigo daquele dia foi a avaliação de João sobre mim, visivelmente surpreso com a minha credencial para chegar àquela estrela.
Talvez esse seja o segredo do jornalismo e os personagens que ele descobre. Seja diante do guarda vigilante ou do astronauta viajante, deve-se sempre manter os pés no chão.
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