Em algum momento, você terá que se perguntar
isso. É como você esperava que fosse, ou as coisas não saíram como planejadas?
Raramente saem, não é? Mas a questão não é essa. A questão é que você parecia
tão certo, tão confiante, tão definitivo. Soava como algo infalível,
independentemente do que pudesse acontecer. As coisas se acertariam, as dores
se dissipariam, e você... Bom. Você estaria feliz.
Bom, você está? Feliz, digo. Ou o fato de eu
precisar completar essa frase por você já é indicativo de algo a mais? Algo em
desalinho. Algo ferindo o precioso “mise en place” que você tenta manter a todo
custo, vida afora. Ou então, traindo a promessa tão preciosa que você fez a si
mesmo, anos atrás. Sobre o mundo não ser mais um lugar romântico, enquanto
algumas pessoas – como você – supostamente ainda seriam, e a vocês coubesse a
promessa de não deixar o mundo vencer. A quantas anda esse placar, afinal?
Você viu nos jornais o que aconteceu, mas e
se fosse com você? E se você morresse cedo? Diria que as coisas finalmente
melhoraram ou que continuaram as mesmas até o fim? Não me leve a mal – isso não
é um acerto de contas. Apenas um lembrete amigável de que nem sempre a vida que
você sonhou será, bom... Do jeito que você sonhou. “A vida inteira que poderia
ter sido e não foi”, disse Manuel Bandeira, seguido de “tosse, tosse, tosse”.
Quanto a isso, anime-se: você ainda não encontrou uma definição de maturidade
melhor do que esta.
Planos mudam. Prioridades revezam-se. Pessoas
morrem, mesmo em vida. Nada que você mesmo já não tenha dissertado sobre antes.
O que mudou então? O que te mantém acordado à noite? Esqueceu que logo precisa
levantar para ir trabalhar? Ou essa é só mais uma das surpresas com a qual você
se deparou ultimamente: não esperava estar trabalhando tanto? E nem ouse se
irritar com os meus questionamentos. Não é como se você estivesse realmente
cansado, ou estivesse planejando parar tão cedo...
É diferente, só isso. Tudo igual, mas
diferente. O homem no espelho até parece com você, mas é diferente. Ok, ele
sorri menos, mas o quão sorridente você era antes? Não é você. Você,
ironicamente, sempre sorriu por dentro. Só o deboche sobe à superfície, mas
nada intencional. Era até engraçado, e você gostava de ser engraçado. Mesmo
quando não parecesse engraçado para os outros, continuava sendo engraçado para
você. E nunca passou pela sua cabeça o quão solitário podia ser, perceber que
seu reflexo era o único a entender suas piadas. E ambos rirem, como se isso
fizesse tudo parecer melhor.
Engraçado também o quanto as olheiras não o
chocam. Como as linhas de expressão seguem imperceptíveis para você. Como se
houvesse algo mais importante a ser notado. E há? Ou só sente estar ocupado demais
para pensar nisso? Provavelmente do mesmo jeito que esteve ocupado demais para
pensar em si mesmo, muito menos em voz alta. Pior ainda, em escrito. Logo você,
que dizia só estar vivo ou sentindo algo de verdade se estivesse escrevendo
sobre isso. Bom, isso vindo do mesmo cara que dizia amar as ironias da vida.
Está amando essa aqui?
E se acabar hoje? E se a maré te levar
embora? Você salvaria alguém antes de partir? Tentaria salvar a si mesmo, ou
permitira ser carregado rumo ao desconhecido? Ser carregado é fácil – fizeram
isso com você a vida toda. Sempre teve o que quis, até quando não o quis, só
para ter a satisfação de admitir que não queria de verdade. Mas o exercício era
interessante. O quebra-cabeças. A caçada. A procura. Mas quem procura, acha, e
aí o que resta? A plenitude? Me poupe. Se poupe. Nos poupe.
Tudo sempre teve a ver com o futuro pra você.
Nunca – e reafirmo com a sabedoria que só a retrospectiva lhe permite agora –
nunca parou para pensar que em algum momento teria que fazer essa pergunta a si
mesmo. É, eu sei, seu celular vibrou.
Seu alarme está a caminho. A vida real chama. Mas o alarme não está soando há
cinco minutos. Pelo contrário, está soando há anos. E você aperta o botão
soneca há anos, sem pensar duas vezes, como se não houvesse amanhã. Bom...
Surpresa! Ah, a ironia.
Não se culpe. Não é como se só acontecesse
com você. É, pasme: o mundo ainda não gira ao seu redor. Você só tem essa
sensação porque está acostumado a andar em círculos. É um pouco triste, mas é
normal. Os estranhos normais comuns têm esse nome por um motivo. Você não é o
único a estar surpreso, ou a passar uma noite em claro pensando no que está
errado, ou a esquecer o assunto imediatamente ao escutar o alarme tocar. É, eu
sei – você precisa ir trabalhar. E precisa mesmo. Começando consigo mesmo.
O sol está nascendo, mas você está aqui há
bem mais tempo. Não é de hoje, como costumam dizer. Então o que está esperando?
Responda! Sei que tem um milhão de coisas para fazer hoje, e não irei
impedi-lo. Afinal, a tendência é que eu o acompanhe durante sua agenda
ocupadíssima. Você sabe quem eu sou. Sabe meu nome, onde moro e o quão
mortificado estou, assim como você, ao finalmente parar para pensar sobre isso.
Mas é normal.
Acontece para todos nós. Não só para os
melhores de nós, como você gosta de pensar. Quem te disse que você é um dos
melhores? Ok, não há tempo para entrar nesse debate agora. Você é... Ok. Pode
ser? Poderia ser melhor. E se por acaso discorda, sinta-se livre para usar os
próximos 30 anos para provar que estou errado. Isso sim eu sei que você adora.
O que nos traz de volta ao questionamento inicial...
Você disse que iria adorar o amanhã. E aí,
você adorou?
Não precisa me responder agora. Mas se tudo
acabasse agora, era isso que você queria? Ou há alguma história que você ainda
não contou? Bom... Você não morreu ainda. O trabalho continua. Escreva, antes
que seja tarde. Eu estarei aqui, revisando. Para sua sorte, nos vemos de novo
amanhã.
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