Crescer é inevitável. De tanto falarem sobre assumirmos as responsabilidades pelos nossos atos ou da importância de falarmos por nós mesmos, a tendência ainda é que evitemos ao máximo sermos reconhecidos por adultos por aí. Na maior das contradições, relembrando os tempos de criança onde as limitações impostas por “gente grande” – como ter hora para ir dormir, não falar de boca cheia e pedir desculpas mesmo quando “não foi você quem começou” – dependiam solenemente da equação: tempo + altura = maturidade.
Aí você finalmente cresce e descobre que não se tratava de uma equação tão simples assim. E que, convenhamos, a área de exatas não é o seu forte.
Por que estou dizendo isso? Bom, talvez porque não haja dia melhor para falarmos sobre isso. Falando como alguém que acaba de receber um “Feliz Dia das Crianças” de uma ex-namorada zoeira, a reflexão parece pertinente. Há anos eu repito que adultos não existem – agora eu gostaria da oportunidade de defender a minha tese, com alguns estudos de caso práticos. Se fôssemos crianças, seriam fábulas com morais a serem aprendidas no final. Mas como somos “gente grande”, nos contentamos com cases de sucesso e análises de discurso. Assim como na vida, mudam as terminologias, mas não a logística.
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Caso 1 – O homem que sabia de menos
Já fazia algumas semanas que Celso estava saindo com Marília. Como são adultos ocupados, estressados e medicados com doses homeopáticas de álcool, esbarraram-se em um aplicativo de relacionamento e decidiram levar sua catarse a novos ares – primeiro para o WhatsApp, depois para um bar no centro da cidade.
Tudo parecia bem até o dia em que as inseguranças de Celso o pegaram de surpresa em um momento de intimidade com Marília. Após amarem-se em todas as posições possíveis, atentando-se à dor nas costas de ambos, Marília perguntou a Celso o que estavam fazendo ali. “Nos divertindo?”, indagou Celso. “Mas é só isso?”, rebateu Marília. “Eu não sei...”, suspirou Celso. Silêncio no quarto.
Em um sábado de sol, Celso me ligou transtornado porque precisava conversar sobre o que havia visto nos stories de Marília da noite anterior: dois copos de chopp sob uma mesa de bar, sem marcações ou apontamentos acerca do proprietário do outro copo. Celso só podia concluir que se tratava de outro cara, mas a ausência de uma nomenclatura o impediu de argumentar como queria. “Vocês tinham algo sério?”, perguntei. Ele negou. “Mas você queria?”, continuei. Celso então tomou um grande gole do seu chopp, tentando disfarçar o quanto queria que o outro copo naquela foto fosse dele. “Mas por que não falou com ela sobre isso? Ela nunca tocou no assunto?”. Celso pediu outra rodada para nós e mudou de assunto.
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Caso 2 – A mulher invisível
A única coisa que Denise sabia era que não sabia o que queria. No entanto, o mais próximo que ela chegava de ter certeza sobre algo envolvia Marcos – ou, mais especificamente, o WhatsApp do Marcos. Alguns desencontros e vácuos acidentais de conversa fizeram com que Denise e Marcos parassem de conversar – aquela velha história sobre um achar que o outro não estava tão interessado assim, etc.
Mas isso não impedia a vigília de Denise sobre o “visualizado por último” de Marcos. A única coisa separando Denise de um detetive particular era um bloco de notas contendo anotações sobre as idas e vindas de Marcos. Já conhecia um pouco da sua rotina para preencher algumas lacunas – da hora em que ele acordava, seu horário de almoço, quando tinha algum compromisso após o expediente.
O que surpreendeu Denise foi um status além das suas compreensões sobre Marcos até então: um “online” em plena 3:45 da madrugada de um domingo. Ao fazer a conta de trás pra frente, Denise supôs o pior: Marcos conhecera alguém, simpatizou-se por alguém, segurou as mãos de alguém, dividiu a conta do bar com alguém, conheceu a casa de alguém, a cama de alguém, as pernas de alguém, e usou o Wi-Fi de alguém para chamar um Uber de volta para casa.
Embora sem nenhum fundamento aparente, Denise delegou sua indignação a uma terceira taça de vinho que, “acidentalmente”, acessou a conversa de Marcos e digitou: “Acordado a essa hora?”. Marcos visualizou quase que imediatamente, mas não respondeu. A resposta do sistema límbico de Denise foi a pior possível: apagou a mensagem. Apavorada, Denise apagou o contato de Marcos até que decidisse o que fazer em seguida. Infelizmente, o “o que fazer em seguida” de Denise levou alguns meses – tempo suficiente para que a foto de perfil de Marcos, enfim desbloqueada, ressurgisse acompanhada pelo rosto de outra mulher. Além de Marcos, Denise também perdeu todo o apreço que costumava ter por Cabernet Sauvignon.
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Caso 3 – A volta dos que não foram
Não era de hoje que Gilberto e Cassandra se entreolhavam nas redes sociais. Nenhum story passava despercebido por ambos, embora a mesma atenção não fosse dada a um diálogo de fato. Quando Gilberto finalmente tomou coragem para convidar Cassandra para jantar, a noite se desdobrou como um conto de fadas. Das entradas frias aos beijos quentes durante a volta para casa, tudo correu como ambos planejavam. Só uma interrogação passou despercebida por ambos: ninguém marcou o segundo encontro. Gilberto supôs que Cassandra lhe daria algum sinal para indicar que havia gostado dele. Cassandra imaginou que Gilberto tomaria a frente de novo.
Hoje Gilberto e Cassandra completam um ano desde aquele maravilhoso primeiro encontro. A celebração será no story de cada um, visualizado pelo outro, sem uma palavra ser trocada.
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Eu sempre reforcei a premissa de que não nascemos com bom senso, mas o conquistamos ao longo da vida se nos empenharmos o bastante. Há quem diga que amadurecer é um processo natural, inerente à psique humana. A essas pessoas – as solteiras, é claro – eu proponho a seguinte reflexão: pense na mensagem que gostaria de receber agora, daquele alguém especial, e refaça toda a matemática inversa que os trouxe ao momento atual no qual nenhuma mensagem está de fato sendo trocada.
Claro, ele atualizou o feed recentemente, e você acidentalmente abriu o story dela literalmente 1s após ela o postar. Mas o que estão fazendo além de vigiar a rotina do outro, enquanto sonham secretamente em fazer parte da rotina do outro?
Isso está longe de ser uma crítica da razão pura, um apontamento da contravenção da comunicação na era digital, um ensaio sobre os desmembramentos da modernidade líquida ou um descontentamento sobre o mal uso de redes sociais em relacionamentos. Nada disso. Mas com base em todas as histórias que já vivi e ouvi por aí, podemos todos concordar em um ponto em comum? Adultos não existem.
Pessoas maduras, bem resolvidas, com todos os boletos quitados, financiamentos em dia, corpo sarado, pele impecável, fondue com amigos às quartas, barzinhos na sexta ao som de Engenheiros do Hawaii, DRs amigáveis no corredor de Revestimentos da Leroy Merlin sobre qual azulejo levar, não existem. Não magicamente, pelo menos, mas você pode tornar tudo isso em realidade. Crescer, fisicamente, é inevitável. Crescer emocionalmente é outra história. Depende de qual fábula você está revisitando agora e a moral que te aguarda no fim.
Não quero saber quem começou, ok? Apenas fale com ele(a), peça desculpas e voltem a brincar numa boa.
Eu amei esse texto. Me sinto assim, sabendo que sou adulto, dizendo a todos que sou adulto, mas será que sou mesmo? queria fazer o que dá na telha, sem lembrar que sou adulto e consequentemente não poder. Seu blog é tão "comfort" pra mim. Venho ler seus textos sempre que quero um aconchego mental hehe
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