Algumas coisas na vida são necessárias. E não estou falando de apenas das burocracias inevitáveis – como imprimir a 2ª via daquele boleto que venceu e não é pago mais na lotérica, ou justificar seu voto em uma eleição municipal para evitar escolher o pior entre dois males. Mais do que isso, tem coisas pelas quais todos nós precisamos passar, creio eu. Apaixonar-se de verdade, por exemplo, é uma delas. Quem sabe seja até a principal.
Lavoisier é lembrado por afirmar que nada na natureza se cria; tudo se transforma. Publicitários posteriores a ele fizeram um trabalho de rebranding e passaram a mensagem adiante um pouco diferente: nada se cria, tudo se copia. Por esses parâmetros, dificilmente teremos momentos originais na vida, salvo as variáveis que realmente existem sob nosso controle. Como, digamos, com quem vivenciar esses momentos.
Ver o sol nascer. Um jantar romântico à luz de velas. Ser reconhecido pelo seu trabalho. Ensinar seu filho a andar pela primeira vez. Ter seu coração partido (e aprender algo com isso). Ver o sol se pôr. São inúmeros os chamados “lugares comuns” pelos quais passamos, ou eventualmente passaremos ao longo da vida. Se tudo se copia, clichês farão parte da paisagem, independentemente de onde você enxerga o horizonte. Mas tirar proveito deles, entendendo que podem ser especiais ainda que corriqueiros, é o segredo.
Foi assim que cheguei a uma nova teoria – o Carro de Telemensagem de Schrödinger. Similar ao experimento praticado com seu gato que, provavelmente, nunca mais ronronou da mesma maneira, a tese é simples: imagine que alguém, na maior das boas intenções, envia um carro de telemensagens para homenagear você publicamente. Completo com todos os apetrechos que acompanhariam tal campanha: a música brega, as buzinas estilizadas, a luz violenta dos faróis, até a narração emocionada de um cara de meia idade que está cruzando a cidade, homenagem após homenagem, desde às 9 da manhã porque, convenhamos, se a indústria persiste é porque há demanda.
Você provavelmente ficaria horrorizado, certo? Morrendo de vergonha, sem reação diante de tantos olhares voltados à sua pessoa enquanto o ambiente é invadido por um cover mal-cantado de “Amigos para Siempre”. Mas calma, o carro de telemensagem é fictício e não pode te machucar. A questão é outra: alguém na sua vida hoje faria isso por você? Ou, então, excluindo o fator ridículo da equação, você se daria a esse trabalho por outra pessoa?
Falando pela experiência de quem já participou de uma campanha do tipo para outra pessoa, a logística em si é incrível. Primeiro por descobrir que esse tipo de coisa não é barata e, segundo, pelo planejamento envolvido – desde escrever o texto da homenagem até a seleção de músicas que – pasme – fica a cargo de quem homenageia. O que significa que, sim, em algum momento da vida, tocar “Amigos para Siempre” foi escolhido por alguém. Clichês, clichês...
Enfim, depois de momentos de tensão entre todos que participaram do plano, a revelação: um carro encostou na rua em frente a um bar e começou a chamar o homenageado pelo nome, seguido pelas trilhas sonoras infames que compomos, intercaladas por depoimentos gravados por áudios de WhatsApp para dar um toque a mais à emoção do presente. Não havia quem não estivesse gravando a celebração, ou emocionado de alguma maneira com toda aquela dedicação. O maior e mais monstruoso dos gestos de afeto, capaz de elevar qualquer dedicatória, também é reduzido a uma das mais comuns piadas prontas. Isto é, até acontecer por você – ou com você, diga-se de passagem.
Apaixonar-se, pensando bem, é como ser homenageado por um carro de telemensagens. A ansiedade, o nervosismo, o ridículo, a apreensão... Da agonia ao êxtase com um único grande gesto – algo pelo qual, creio eu, é algo pelo qual todos deveríamos passar. Senão por uma homenagem motorizada, quem sabe por algo mais sutil. Um texto, quem sabe.
Quem nunca viveu um grande amor ou um infame clichê, que atire a primeira pedra. Quem não gostaria de reviver um, então... Fique onde está. Sentindo-se vulnerável e encantado ao mesmo tempo, enquanto não pega carona em um carro de telemensagens que, por sua vez, só faltou ser dirigido por Schrödinger.
Essa é a beleza da vida: mais cedo ou mais tarde, todos revisitamos os estranhos lugares comuns. Porque se nada se cria, tudo se transforma ou se copia, eventualmente nos encontraremos neles. Algo que promete ser tão marcante quanto a primeira vez... Com a pessoa certa, é claro.
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