Quando éramos crianças eu disse à minha irmã que Papai Noel e o Homem do Saco eram a mesma pessoa, com uma lógica invertida àquela que diziam nos contos por aí. Em vez de trazer presentes para as crianças, o Homem do Saco os traz para os adultos e, aproveitando a viagem e o saco vazio, levava de volta as crianças malcriadas para dar aos pais um pouco de paz no fim de ano. Foi o bastante pra deixar minha irmã apavorada diante de qualquer figura do bom velhinho por anos, bem como a natural aversão a shoppings em dezembro. Me arrependo de ter dito isso? É claro. Ainda acho engraçado? Tremendamente. Maturidade só te leva até certo ponto – dali em diante, seremos mesmo quem somos para sempre.
Apesar dos transtornos, tanto minha irmã quanto aparentemente todos que conheço se deixam levar pelas festividades de dezembro. As campanhas publicitárias é que o digam; depois de outros feriados enraizados em sentimentos profundos como culpa (Dia das Mães) e arrependimento (Páscoa), talvez o Natal seja o mais positivo para desenvolver promoções. Porque é a época de trabalhar com esperança.
Pode parecer disfuncional às vezes, mas a esperança é mesmo a constante que nos move e, por definição, a última que morre. Tinha esperança em incomodar minha irmã quando éramos crianças? Tinha. Era errado? Com certeza. Ainda me faz rir? (In) felizmente. Como todas as outras criações humanas, esperança não é uma ciência exata. Especialmente depois que crescemos e atingimos um certo nível de maturidade, começando pelo desvendar da primeira grande mentira que nos contaram: Papai Noel não existe.
Essa revelação acaba se tornando uma porta de entrada para verdades mais pesadas na vida de uma criança: a Fada do Dente também não existe, seu cachorro doente não foi passar o resto da vida em uma fazenda no interior, e seu brinquedo favorito não se perdeu magicamente – seus pais o jogaram fora depois de descobrir quanto chumbo havia na tinta dele. A vida aos poucos se mostra como ela realmente é.
O problema é quando esperança se torna uma droga na qual nos agarramos com o passar dos anos. Em doses homeopáticas é necessária; caso contrário nada mais nos tiraria da cama salvo aquela primeira xícara de café e a perspectiva de eventualmente voltar para a cama, mas com uma sensação de dever cumprido por mais um dia vencido. Qual é o limite da esperança então? Talvez quando toda a admiração por uma figura mitológica da infância pela qual esperávamos o ano todo para ver e para nos presentear é transferida para personificações mais próximas da realidade – como um match do Tinder e a espera por uma resposta.
Eu sempre me considerei alguém cheio de esperança, ou então meus devaneios constantes não seriam escritos sob o guarda-chuva de uma página de web com o termo “Amanhã” em destaque. Acontece que, com o passar do tempo, às vezes é difícil relembrar exatamente pelo que estamos esperando. E quanto mais decepções são empilhadas acima do mito do Papai Noel, mais embaçada sua memória se torna. Ainda existem razões para acreditar?
Não sei o que veio primeiro – Papai Noel ou o calendário gregoriano – e tampouco irei pesquisar. Primeiro porque todo resquício de magia no qual eu puder me amparar será muito útil agora e, segundo, porque realmente não importa. A verdade é que, proposital ou não, há algo reconfortante em encerrar cada ano com festividades baseadas em mágica, presentes, entre outros conceitos dos quais passamos o resto do ano tentando fugir – família, harmonia, perdão – intencionalmente ou não.
De um jeito ou de outro, a época nos traz de volta e nos recarrega a tal ponto que celebrar um novo ano, repleto de possibilidades para novos desastres, parece sinceramente algo pelo que se alegrar. E depois de um ano tão caótico como 2020, onde não há quem não esteja literalmente de saco cheio de tudo, até as crenças mais infames como o Homem do Saco nos devolvem um pouco de esperança. E se ele levar as crianças embora para nos deixar beber em paz, melhor ainda.
Eu perdi as esperanças inúmeras vezes ao longo da vida, é verdade. E não posso negar as cicatrizes que as perdas me deixaram, nem mesmo prometer que serei mais resiliente daqui pra frente. Eu não sei. O bom é que logo teremos 365 dias para tentar sermos a melhor versão de nós mesmos de novo. E isso inclui a minha constante esperança de que talvez exista alguém por aí para mim. Não necessariamente feita para mim, porque já desmistifiquei esse mito há muito tempo. É mais fácil existir mesmo um Papai Noel do que a pessoa certa, e certamente causaria menos frustração. Ou talvez a tal maturidade não tenha nos levado tão longe ainda quanto ela pode. Seguimos na expectativa.
Por bem ou por mal, todos nós precisamos rever quais razões para acreditar ainda nos restam. Nem que seja para tornar o amanhã mais fácil de lidar.
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