...e vai perde-la. Não da noite pro dia. Não de uma hora pra outra. Mas eventualmente, pouco a pouco, um passo em falso após o outro, quase sem querer, é... Você irá perde-la. Não significa que era a pessoa certa e sua playlist precisa ser atualizada para incluir só músicas tristes que combinem com um olhar triste pela janela do ônibus. Como se tudo que faltasse fosse a chuva batendo na janela e um mundo preto e branco ao seu redor (pra combinar com o jeito que está se sentindo por dentro).
Nada disso. A verdade é que você vai conhecer muita, mas muita gente. Algumas irão te surpreender – por bem ou por mal. Muitas irão te decepcionar – talvez só um pouco ou o bastante para te motivar a acreditar que acreditar em conhecer alguém não funciona. Amor não é uma ciência exata – tentativa e erro podem funcionar até certo ponto, em se tratando de conhecer alguém. Mas para fazer dar certo não existe mecânica. Ou você sente, ou não. Ou você se doa à causa, ou abandona a campanha. E instala o Tinder de novo, porque esse é o caminho aparente.
As pessoas não se conhecem mais. Mesmo morando no mesmo prédio, ou aguardando na mesma fila para serem atendidos, ou até quando tem os mesmos interesses. Os mesmos planos. Os mesmos sonhos. Pelo contrário: geralmente parece ser bom demais para ser verdade. E como miséria ama companhia – ainda que à distância – é assim que nos mantemos: distantes. Uma margem de erro segura o bastante para que você ainda consiga me reconhecer, mas não o bastante para me ferir. Porque quem passou por aqui, antes de você, não teve o mínimo de delicadeza. Nem olhou para trás para ver o estrago que deixou.
Ela só foi embora e – eu admito – às vezes pareceu ter levado a minha habilidade de acreditar consigo.
Agora, você pode tentar conhecer alguém. Num aplicativo, no seu prédio, na fila de espera, na rua, na chuva, na fazenda... Tentar realmente depende só de você. Abrir-se à possibilidade de algo novo depende do outro, mas uma coisa de cada vez. Se todo mundo pensasse assim, tentar não pareceria tão tabu, ou pior: tão ridículo. Eu nunca tive vergonha de querer alguém para amar. Em parte pela promessa que fiz há mais de uma década e, além disso, pela noção incorrigível de que a vida parece mais divertida a dois.
Certa vez em um ponto de ônibus, doei algumas moedas para um vendedor de flores de papel mas recusei o produto. Não só porque ninguém mais aceita flores de presente, mas ele amassaria todo na minha mochila. Para compensar, ele me entregou um dos bilhetes que acompanhavam as flores. Nele estava escrito algo parecido com aquilo que digo a vocês há anos:
“Uma vida para ser bem vivida tem que ser envolvida por outra vida”.
E então, num dia aleatório, sem qualquer pretensão, dúvida ou expectativa, você irá conhecer outro alguém. E vocês terão sim interesses em comum, planos em comum, sonhos em comum. E dividirão o cansaço de cada dia, os momentos inesperados de cada dia, as risadas impossíveis de serem seguradas e as dores que você pensava jamais ser possível reviver para contar à outra pessoa de novo. E ao contrário do que Vinícius de Moraes poetizou (provavelmente antes de conhecer o seu alguém), de repente do pranto fez-se o riso.
Você vai conhecer alguém que achava nem existir. Aconteceu que ela estava por aí, mas ocupada conhecendo as pessoas erradas também. Todo mundo já foi a pessoa errada de alguém, mas nem por isso a dança das cadeiras deve cessar. Isto é, se você ainda sonha com um aconchego no sofá ao lado daquele alguém no fim do dia. E como toda tranquilidade pós-guerra, é normal sentir-se inquieto. Desconfiado. Ansioso.
Nada garante que ela estará aqui amanhã, exceto pela palavra dela. Mas já lhe deram palavras antes, e onde estão agora? Tatuadas em você como feridas que não se curam, provavelmente. Só por um momento, no entanto, pense nisso: ela está aqui agora. E estava aqui ontem. E por mais abstrato que o amanhã pareça, tudo indica que ela ainda estará aqui por mais um dia. E então você se contenta a redescobrir a mesma pessoa um dia de cada vez, todos os dias, revivendo a arte de conquista-la de novo e de novo e de novo...
Mas pra isso você precisa dar a oportunidade de alguém conhecer você. Além de sermos as pessoas erradas dos outros, vez por outra somos mais reféns de nós mesmos. Sonhando com as noites sem fim de aconchego no sofá. Como se não houvesse amanhã.
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