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A volta dos que não foram


A vida ficou infinitamente mais fácil depois que eu aceitei o fato de que o verdadeiro e único amor da minha vida sou eu. Por dois grandes motivos: o primeiro sendo a noção básica (porém inconcebível até certo ponto) de que meu amor é o único que não pode me decepcionar. Os outros sempre estarão à mercê exatamente disso, dos outros e, portanto, eternamente fora do meu controle. O segundo motivo é mais fácil de entende, mesmo sendo tão teimoso quanto eu. Se eu não me tratar como um amor a essa maneira, por que mais alguém faria isso?


Mesmo assim é fácil perder-se no dia a dia. Entre itinerários de ônibus, horários comerciais, compromissos na agenda e filas de banco. Quando tudo ao seu redor parece cinza e ligeiramente utópico no pior sentido possível, não há nada como a teoria do "vai que..." para vir ao seu resgate.


Pra quem não sabe, "utopia" é uma contradição em mais de um significado. Um deles é direto e abstrato - a palavra em si deriva do grego e representa "o bom lugar". Em uma interpretação mais, digamos, pessimista (ou realista, dependendo do que você acredita), pode representar "o lugar que não pode ser.". O inalcançável. O inexistente. E como é de se esperar de nós, o intoxicante desafio a ser superado em vista do quão especial eu sou e, claro, o quão feliz eu mereço ser.


Olhando em retrospectiva é ridículo como eu esperava, na maior de todas as ilusões e a partir de um sentimento intenso de merecimento e esperança distorcida, que o amor da minha vida salvasse, bom... A minha vida. E não é bem assim que as coisas funcionam. Se fosse mesmo o caso, esse encontro avassalador inevitavelmente anularia tudo que o precedeu. Todas as pessoas, lugares, experiências, lições, fotos, cicatrizes e momentos nos quais eu jurava que meu coração seria capaz de ser entregue à outra pessoa de novo, seriam irrelevantes. Como se eu sequer pudesse negar que sou o produto resultante da soma das minhas desilusões.


A vida pode te empurrar pra frente, mas o que você faz ao longo do caminho é o que irá mesmo te amadurecer, te fortalecer.


Então eu aprendi algo ainda maior do que o meu ego inchado e distorcido: a vida também simplesmente acontece. No seu tempo, à sua maneira, quando menos se espera e quanto menos parece estarmos preparados para ela. O que significa que só me resta amar a mim mesmo nesse interlúdio, porque é mesmo tudo que temos por enquanto. Algumas coisas são mesmo como Vinicius disse, eternas enquanto durarem, e nós não somos diferentes. Sendo assim, é o seu amor que te levará adiante - não aquele que você pensa que sente por outra pessoa que, spoiler alert, sequer está ciente disso.


Quanto ao "vai que...", tudo é saudável desde que mantido sob controle. Há anos vejo meu amor atropelar pessoas desavisadas quanto a mera noção de que deveriam estar mais atentas a si mesmos para entender que aquilo vindo em sua direção não é ruim, ou imaginário, ou intimidador, ou perigoso. Não. É só amor. O amor que, ao julgar pelo meu histórico, era um que não deveria estar ali. Começou errado por abrir mão dele em prol de outra e, como era de se esperar, piorou quando ela percebeu o quão inconcebível aquilo parecia ser na sua realidade. Vez por outra, nós aceitamos o amor que julgamos merecer. No pior dos casos, fugimos de um lugar que poderia mesmo nos acolher. Permitir-se é uma arte.


Enfim, acontece mais uma vez o "não foi que...". O que, por incrível que pareça, nunca é destrutivo o bastante para nos motivar a deixar de acreditar. Eu pelo menos nunca deixei. Teve dias em que só o "vai que..." me deu forças para levantar da cama. "Pode ser que eu a conheça hoje", pensei ao amanhecer. E quando não foi o caso, "talvez amanhã", ao adormecer. E em algum momento do dia, meu amor parecia evaporar junto à expectativa frustrada de que foi mais um dia (à toa), menos um dia (sem você).


Claro, chegará o momento em que o "vai que..." de fato vem. Mesmo feridos, céticos e distraídos, acontece. A não ser que você se empenhe muito em expulsar tudo e todos da sua vida, há sempre uma brecha na qual alguém determinado a saber mais sobre você e sua bagunça decide ficar. O sedentarismo emocional está justamente na ideia de que viver à base disso é saudável. Esperança é bonita, mas você ainda deve olhar para os dois lados antes de atravessar a rua. E por mais sombrio que pareça, você precisa aprender a viver sem o amor da sua vida. Porque o mesmo "vai que..." a trouxe pode ser o mesmo que a faça ir embora. E se isso acontecer, para onde o seu amor vai?


Ironicamente, para a próxima "vai que...", ao que parece. Ou você pode se amar um pouquinho mais e descobrir, spoiler alert, que tudo que você precisava estava aqui o tempo todo.


Amores vêm e vão. Você é a constante. Aja de acordo.


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