É fácil dizer o que quer quando se foge do que precisa. Tudo se resume a uma noção de perspectiva – ou, na maioria dos casos, na falta dela. E talvez um dos melhores e mais recentes exemplos que eu possa expressar seja a minha visão infame acerca do quão importante um primeiro encontro realmente é.
Claro, você sente o nervosismo de uma vida passar diante dos seus olhos, tentando agir normalmente enquanto disfarça sua inabilidade de soar natural sem entregar o quanto imaginou aquele cenário mentalmente antes. Completo com scripts imaginários que a outra pessoa, por incrível que pareça, insiste em não seguir. O resto são clichês consolidados pelo próprio tempo: as mãos trêmulas, a gagueira acidental, a troca de palavras, os olhares distraídos, o coração disparado. Todos evocativos daquele inesquecível primeiro beijo – independentemente se ele acabar sendo bom ou ruim.
Seria simples pensar que essa é a parte difícil. Longe disso. Eventualmente, como tudo na vida, você descobre que há sempre algo a mais. Análises de discursos e linguagem corporal à parte, o primeiro encontro nada mais é do que uma combustão espontânea entre a ansiedade de dois corpos inegavelmente atraídos um pelo outro, porém repelidos pelas próprias inseguranças. Se a noite terminar bem, um meio termo é alcançado entre as partes. Se acabar muito bem, a combustão deixa de ser teórica para dar vida a um atrito muito mais interessante. Se acabar mal, o pacote Gold do Tinder passa a não soar mais tão ridículo.
Como tudo é questão de perspectiva, uma série de primeiros encontros – e suas respectivas mesas redondas para dissecar o que tal palavra, tal gesto, tal mensagem realmente quis dizer, entre amigos – me levaram a perceber o quão efêmero todo esse nervosismo é diante de algo muito maior: a perspectiva de um segundo encontro. Se aquele primeiro contato é como lançar-se em queda livre sem qualquer expectativa de que exista uma rede de proteção lá embaixo, uma segunda campanha seria o equivalente a lidar com o fato de que há mesmo terra firme ali – mas é ali mesmo que eu gostaria de me fixar?
Tudo feito pela segunda vez na vida envolve algum tipo de compromisso. Um comprometimento além das primeiras impressões que inevitavelmente te inspira a seguir adiante. Como começar uma série nova, depois de muita insistência vinda de si mesmo e da fadiga provocada por reprises, na qual o primeiro episódio pode não superar todas as expectativas, mas há um gancho irresistível capaz de prender sua atenção por mais quarenta minutos. E é isso que há de intrinsecamente aterrorizante num segundo encontro: eles tendem a forçar uma perspectiva de você. Não se trata mais de queda livre, mas de um movimento premeditado. O que, por sua vez, justifica o quão raros eles acabam sendo.
Assim como ninguém sabe o que está fazendo, mas jamais admitira isso em um depoimento, também costumamos não saber com quem gostaríamos de estar fazendo algo diferente. É a teoria do “nada sério”, colocada à prova: agora que ambos concordamos que gostaríamos de algo a mais (ou tudo...), iremos mesmo atrás disso um com o outro?
O problema inevitável em suprir suas necessidades depois de longos períodos de procura, suspiros e frustrações, é o vazio provocado por encontrar pelo que tanto se esperava. Não se trata de descobrir que sonhos podem se tornar realidade, mas questionar-se se é possível haver vida após o sonho em si. Se você parece bom demais pra ser verdade, algo incompreensível diante de tudo que o antecedeu, porém ao mesmo tempo tão compatível com a vida a dois com a qual você secretamente sempre sonhou, estaria eu pronto para lidar com isso?
Sim, eu quero encontrar o amor da minha vida. Mas é disso mesmo que eu preciso agora? Não. Simples assim.
Há também a pior das hipóteses: talvez eu só goste mesmo da procura. A reconfortante sensação de que se nada deu certo antes, é porque simplesmente não era ela, mas que a pessoa certa está por vir a qualquer momento. O que acaba por torná-la na desculpa perfeita para evitar lidar com a realidade à minha volta – começando pelo fato indiscutível de que todo e qualquer amor que possa existir na minha vida obrigatoriamente deve começar comigo mesmo. Como a queda livre de um primeiro encontro, o que vier a acontecer depois é só lucro. É na segunda tentativa, entre o meu amor próprio e o seu, na qual fazemos o empenho em descobrir se eles podem coexistir. Mas se a minha base não está pronta, ou a sua ainda precisa de reforços, relacionamentos sempre terão a mesma segurança de um castelo de cartas contra o vento. Ao impacto do menor suspiro, tudo desaba.
É por isso que nunca tivemos um segundo encontro: eu percebi o quão importante era dar uma segunda chance a mim mesmo primeiro. Desconfio, inclusive, que foi o que você também decidiu para si.
O amor da sua vida não salvará a sua vida – ela só estará ali por você, completa com toda uma vida que o antecede e todas as cicatrizes que vieram junto. Salve a si mesmo primeiro, e ela o encontrará. Ou busquem apoio um no abismo do outro por uma noite quente de verão. Só não se surpreenda na manhã seguinte quando ela não estiver mais ali. E não é disso que eu preciso; não mais. Preciso de algo a mais. Algo constante.
Eu ainda sou eu: o amor da minha vida. O que vier depois é só isso: consequência.
Comentários
Postar um comentário