Mais cedo ou mais tarde você iria descobrir isso. Entre encontros e desencontros, bloqueios inesperados no WhatsApp e o verdadeiro abismo que existe entre o “nada sério” e o “vai que...”, você percebe que o Tinder – ou qualquer outro aplicativo de relacionamento que exista no seu celular agora – não é o seu lugar.
Porque o Tinder, ou qualquer outra plataforma alternativa, não foi feita para relacionamentos casuais. É só uma lenda urbana, criada e propagada pelos mesmos autores de “nadar depois de comer dá câimbra” e “vinho bom mesmo é de cinquenta reais pra cima, seco e importado”. Nada disso é verdade. Inclusive: acreditar em lendas urbanas é o que tende a causar câimbra e a ser caro demais a longo prazo. Nunca subestime o poder de mergulhar de cabeça em algo, especialmente em um vinho barato.
“Estamos na era dos relacionamentos líquidos”, eles disseram. “Bauman ficaria parte orgulhoso, parte horrorizado por ter previsto o nosso enforcamento emocional à base de aplicativos”, bradaram. Eu, inclusive, não tenho minhas mãos limpas aqui. Por anos eu repeti sobre como o Tinder representava o verdadeiro mal estar da civilização, em versão pocket para Android e iOS.
Mas de uns tempos pra cá, o que eu mais encontro – ou não, quando elas optam por fugir primeiro – são pessoas esperançosas à procura de um algo a mais. Até mesmo uma noite casual é o prelúdio de uma manhã seguinte, acordando com alguém do seu lado. Com a luz do sol invadindo o quarto e clareando exatamente o quanto você esperava mais pela calmaria do que a tempestade entre os lençóis na noite anterior. E não há nada de errado com isso.
O que é errado – aliás, esse talvez nem seja o termo adequado. O que é desaconselhável é entrar nesse mundo sob a noção infame de que ninguém quer mais nada com nada e somos todos livres para fazer o que quisermos, porque ninguém se magoa. Se a pessoa está ali, ela já sabe o que esperar. E se não sabe, irá aprender da pior forma possível. Inesperado, injustificável e indigno ao ponto de se tornar inesquecível. Onde os fracos não têm vez, receber respostas é um privilégio e alguém com todos os interesses semelhantes aos seus pode, apesar de tudo, não estar interessado em você.
Se ser solteiro é como estar em uma guerra, o Tinder é a trincheira. E como toda boa guerra, nunca há vencedores - só alguém menos ferido que o outro.
Se expandir esse conceito para outras esferas da vida, tudo pode ser considerado casual. Qualquer troca de olhares, palavras recheadas com entrelinhas ou simbolismos fora de lugar, podem ser interpretados do jeito que você quiser. Tudo pode ser relativo, inclusive nada, e o caos que rege o universo segue pleno e – por incrível que pareça – impiedosamente alheio a você ou o que possa esperar dele. É por isso que não se pode generalizar nada nessa vida. O diabo vive nos detalhes.
O que quero mesmo dizer é que de nada adianta você se lamentar por instalar, desinstalar e visitar o Tinder mais vezes do que gostaria de contar, se nada faz para realmente sair dele. Não que haja algo de errado em estar ali – longe disso. Se em tempos considerados normais, onde a tal modernidade líquida parecia já ter sido abraçada por todos, que alternativa nos resta para sobreviver a pandemias, lockdowns e isolamentos sociais?
Nós, os solteiros, claro. Aqueles que, como eu, sonham em ter discussões infames com alguém especial no corredor de Casa & Construção da Leroy Merlin sobre qual azulejo usar na cozinha planejada de vocês. A antítese de qualquer coisa casual que você possa vir a pensar, mas que – ironicamente – tende a nascer da fusão entre alguém que não queria nada sério e alguém que estava disposto a encontrá-la porque, né, vai que...?
Se você não procura algo sério, sinto em lhe informar que o Tinder não é o seu lugar. Porque nada nem ninguém poderá me convencer de que alguém disposto a instalar, desinstalar, escolher três a cinco das suas melhores fotos, criar ou deixar em branco a descrição da sua própria biografia (porque até uma seção em branco não deixa de ser uma mensagem), não está à procura de alguma coisa a mais. Há quem se esconda atrás de uma biografia vazia, uma foto sem sequer exibir seu rosto, um “nada sério” ou uma fuga do “tédio da pandemia”, mas no final das contas estamos todos ali, deslizando para a esquerda e para a direita, ansiosos por um coração verde.
Pra quem ainda não sabe disso também: verde significa esperança 💚
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