Pular para o conteúdo principal

A falácia do custo afundado

Eu não vim até aqui pra desistir agora
Entendo você se você quiser ir embora
Não vai ser a primeira vez nas últimas 24 horas
- “Até o Fim”, Humberto Gessinger

É fácil se deixar levar pela falácia do custo afundado – tanto que aposto que você nem sabe o que é. Claro, já a vivenciou em primeira mão, já teve segundas intenções sobre ela, e já a presenciou em terceiros. Mas como é de se esperar de todos nós, só é possível mesmo absorver algo quando este algo se materializa de uma forma óbvia.

Nem todo mundo reconhece a falácia do custo afundado, mas todos temos na memória a última vez agimos com teimosia. Ou então, a última vez que pensou sob a famigerada noção de que algumas oportunidades não cabem aos outros, apenas a si.

Já tentou acelerar em um cruzamento sob o alerta do sinal amarelo? Ou insistir em percorrer um caminho apesar das placas de “rua sem saída” à sua frente? E quanto a conceder mais tempo do que um relacionamento necessitava antes de declarar sua falência?

Esse misto de ansiedade (“vai dar tempo de cruzar”), arrogância (“sei o caminho”) e negação (“é só uma fase”) constituem o infame custo afundado. Não é à toa que Gessinger abre sua canção com este tema: todo mundo sabe a letra.

É sobre insistir em investir em algo que comprovadamente não dará retorno. Mas justamente por ter investido tanto em algo, nos tornamos alheios às contingências atuais em vista dos sonhos cujos quais não queremos abrir mão. E assim seguimos investindo, esperando, relutando... até drenar todas as nossas economias.

O que fazer quando nos encontramos esvaziados após o inevitável colapso da campanha na qual depositamos tanto? Teoricamente, você se fecha para balanço e tenta investigar as novas variáveis em ação do mercado. Na prática, é como ser viciado em jogo e seguir acreditando que sua carta estava prestes a surgir do deck. Você só não saiba mais como esperar por ela.

Minha única ressalva sobre a obra de Gessinger, é quando ele insiste em pontuar a inconstância do eu-lírico “nas últimas 24 horas”. Citando que não seria a primeira vez que ele (ou ela) quis desistir. Claro, vez por outra a constância, a ambição e a visão da vida que poderia vir a ser a longo prazo é o que garante o sucesso – na vida e na bolsa de valores.

Mas do jeito que ele fala, não é possível que a situação estivesse tão favorável a ponto de que a iniciativa de desistir já mostrasse ser constante no decorrer de um dia. Assim como esquemas comportamentais de fuga e esquiva, às vezes nos deparamos com situações adversas e optamos por nos retirar dela (fuga). E, dada certa experiência, às vezes já as reconhecemos de longe e nos desviamos (esquiva).

Nem sempre desistir é a falência de um sonho, ou a inquietação de um ansioso, ou a impaciência de quem luta contra a noção de que as coisas não podem mudar da noite pro dia. Às vezes não é sobre teimosia, mas sobre maturidade. Especificamente: a infelicidade de ser adulto o suficiente para admitir que não somos mais crianças para lidar com murros em ponta de faca, dedos na tomada e chamadas de atenção.

Não temos mais tempo, ou dinheiro, a perder. E quando optamos ainda por insistir na incerteza (que já nem é mais tão incerta, diante das evidências), arriscamos perder a nós mesmos no processo. Nós sempre seremos nosso maior ativo, e o verdadeiro custo a ser afundado nos sonhos errados.

Parte de ser adulto, inclusive, envolve admitir que alguns sonhos simplesmente não cabem em você. Por isso suavizamos o golpe com reflexões acústicas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha mela...

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ...

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento...