Eu fui uma criança de apartamento, o que em teste já deveria te dizer tudo que precisa saber sobre mim. Desde as pobres habilidades sociais – graças à arte de evitar vizinhos nas escadas – até a péssima coordenação motora – por ter preguiça demais para enfrentar as escadas rumo a qualquer espaço livre no térreo para praticar alguma atividade física.
Mas meu prédio não era como os de hoje – completo com todas as áreas gourmetizadas possíveis, quadras de beach tennis e espaço pet. Longe disso; naquele tempo o ápice da vida verticalizada era ter um botão para controlar a entrada e saída da “porta de vidro” que separava o portão externo e os capachos dos moradores do primeiro andar.
Naquele tempo eram raros os prédios com elevador ou algum atrativo na área comum. Por isso era sempre animador visitar algum amigo ou parente que morasse em uma casa cujo terreno permitisse melhorias como churrasqueira, uma rede pendurada entre pilares e, claro, uma piscina.
Os meses entre novembro e fevereiro eram marcados por uma busca incessante por uma amizade sincera com alguém especial e sua piscina em casa. Mais do que pelo calor, mas pelo apelo que aquilo parecia provocar. Imagine só poder colocar os pés n’água toda vez que quisesse? À distância de apenas uma descida de elevador? Parecia bom demais pra ser verdade.
Para uma criança de apartamento, o sonho da piscina em casa era mais simbólico do que seu real significado. Isso porque criança alguma questiona as normas para uso da piscina por visitantes, ou os horários de funcionamento, ou a taxa de manutenção inclusa no condomínio... Não. Tudo se baseia a um sonho desprovido de qualquer protocolo – o que é, em si, a magia da infância resumida.
Mas o simbolismo nos persegue. A única diferença é a forma que a sua piscina toma. Em vez de água, passamos a aspirar pelo carro do vizinho, o terreno do vizinho e – para os mais atrevidos – a mulher do vizinho. Tudo sempre soa perfeito no CEP alheio, enquanto nossa casa vive incompleta, bagunçada e barulhenta.
A piada só nunca é contada completa pois não conhecemos o outro lado. A realidade de quem morava na casa com piscina – e sequer a usava. Mesmo tendo os pés n’água ao seu dispor e o elevador ao alcance de um botão, a criança do apartamento com piscina dificilmente a visitava. Não havia motivo para isso: afinal, estava sempre ali ao seu dispor. Essa é a moral da história.
O que não temos sempre parece melhor do que aquilo que está ao nosso alcance. É uma das tragédias que só a natureza humana sabe promover: a insatisfação com o presente, o desinteresse pela disponibilidade, o tédio pelo permissível.
A psicanálise explica: somos seres faltantes desde o nascer, a partir do rompimento do cordão umbilical que nos ligava ao organismo materno responsável pela nossa gestação e cuidado até então. A partir desse rompimento, somos fadados a vagar o mundo sempre à procura de algo a mais, mas que nunca preenche o vazio que aquele primeiro elo construiu.
É daí que nascem as neuroses, os vícios, os transtornos e as crises existenciais. Tudo em nome da peça que nos falta: uma procura em vão que só se releva diante da reunião entre nosso desejo e seu objeto. É como finalmente revelar a verdade sobre a sombra por trás da cortina só para descobrir que não havia nada ali.
No Super Mario Bros, explicavam isso como “Desculpe! A princesa está em outro castelo” para justificar sua passagem para outra fase. Na vida não é diferente, por isso tentamos começar a explicar às crianças assim. Para mim isso nunca passou do “paradoxo da piscina em casa”, ou a teoria de que se você quer mesmo valorizar algo, não o possua.
Só há uma coisa pior do que nunca conseguir o que quer: consegui-la.
Como superar esse paradoxo? A resposta esteve sempre diante dos nossos olhos. Torne sua própria casa confortável, independentemente do que está disponível na sua área de lazer. Não se trata do que falta ali, mas do que sempre esteve presente. Tédio é um privilégio – outra pegadinha ofertada pela natureza humana.
A equação por trás do tédio é simples: a soma da autorealização e o tempo que você passa com ela. Se as pessoas se concentrassem mais na ordem dos fatores, entenderiam a diferença que isso provoca no produto.
Mas isso é algo que você só entende quando percebe que a falta de piscina – ou seu símbolo equivalente – nunca foi determinante para a felicidade da sua casa. O importante mesmo é, e sempre foi, saber reconhecer o seu lar. Se você souber mergulhar nisso, fica fácil enxergar o quão profunda a natureza humana é.
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