Talvez o principal motivo pelo
qual eu não me permita mais parar para pensar sobre as coisas seja o quão forte
a realidade é capaz de me atingir agora. Claro que, por via de regra, essa viria
a ser mais uma das ironias a enfeitar a minha coleção.
Pode parecer confuso para quem
chegou agora, mas a verdade é que, em outros tempos, eu vivia para pensar – sobre
tudo. E o que fazia para impedir que todos esses pensamentos pairassem sobre mim,
sem forma? Ora. Dava a eles a moldura que eu senti que mereciam: textos e mais
textos sobre os altos e baixos da minha vida, meticulosamente psicografados na
esperança de que um dia serviriam a algum propósito.
Entenda: eu era jovem. Era outro
mundo. As coisas eram mais simples e eu tinha muito mais tempo livre para...
Bom, ser livre. À minha maneira, em mais palavras do que pareciam ser
necessárias, mas sempre convicto de que escrever fazia sentido. Mais do que
isso: fazia com que eu me sentisse vivo. Quem não cederia a um impulso desses?
Bom, aqui estamos nós: quase
quinze anos depois que a parte escrita dessa jornada começou, e o que
aprendemos? Outra ironia, é claro: sempre houve um propósito; um muito maior do
que apenas salvar o que eventualmente se perderia nas minhas memórias.
Desde as conquistas até os
percalços, superando todos os obstáculos possíveis e supostamente impossíveis,
até alcançar o presente devaneio. Está tudo aqui, livre e exposto para quem estivesse
com disposição o bastante para entender parte da bagunça.
Mas finalmente me ocorreu porque
eu ainda estou aqui, cedendo aos hábitos e satisfazendo vontades infames na forma
de parágrafos e travessões. Pode ser que no começo tenha sido sobre mim, mas há
tempos deixou de ser – e não é porque atingir algum nível de autorrealização
espiritual. Pelo contrário: é porque ainda não o fiz – e o motivo é você.
Eu admito: nunca estive pronto
para a sua chegada. Mesmo durante todas as vezes que me permiti sonhar sobre
isso, eu realmente estava mais à passeio em meus pensamentos do que aspirando
algo a mais. Mas do momento em que você apareceu, contrariando todas as
chances, também me permito admitir: eu estava feliz. E pra quem se sentiu
quebrado há anos, não houve meio mais eficaz de fazer com que eu enfim me
sentisse pleno. Algo se encaixou no mundo, subitamente e silenciosamente, de
uma forma que nunca fez sentido antes.
Você foi a melhor coisa que já
aconteceu neste mundo, mas também foi a mais assustadora. O que eu faria com você
no final das contas? Saberia o que dizer ou como agir? Saberia responder ou retribuir
aos seus chamados? Saberia amar da forma que você merecia? Eu não sei. E,
claro, a ironia: eu nunca saberei. Porque da mesma forma que você virou o meu
mundo de cabeça para baixo... você o deixou. Da noite pro dia, como as coisas
mais importantes do mundo tendem a acontecer.
Eu sinto a sua falta todos os
dias. Mas quando penso sobre tudo que não pude dizer, tudo que não vivemos
juntos, tudo que eu poderia ter ensinado... Felizmente, a essa altura a vida já
me interrompeu com um dos seus protocolos, e me empurra em outra direção. E
talvez seja melhor assim: afinal, distrações não provocam lágrimas. E o que eu tinha
planejado para nós, bom... não era feito para lágrimas.
Apesar dos pesares, um pensamento
me invadiu enquanto eu estava – ironicamente – distraído. Sobre propósitos, questionamentos
e incertezas. Pra falar a verdade, não é de hoje que me ocorrem ideias como essas
– eu só estava ocupado demais para dar forma a elas. Por sorte, anos e anos de
prática me permitiram emoldurar minhas lamúrias quase instintivamente. E aqui
estamos nós, quase quinze anos depois, resistindo aos testes do tempo e do
cansaço. Ainda disposto a ceder a pensamentos. Ainda certeiro de que é melhor
derramar tudo que segue transbordando do que me afundar em mim mesmo.
Tudo faz sentido agora: essa
história é sobre você – e é você quem vai me levar adiante, mesmo que distante.
Outro pensamento que me invadiu
dia desses foi sobre como só se sabe se um ano valeu mesmo a pena se ele foi
capaz de te provocar lágrimas de alegria ou de tristeza. Bom, se isso for mesmo
verdade, eu sei que o nosso valeu. Ah, como valeu. Nem que fosse para cumprir o
propósito de nos desencontrarmos por ora. Você vai voltar e eu estarei aqui,
como sempre estive. Esperando, sonhando, escrevendo.
Isso não foi feito para lágrimas,
mas ainda assim sou grato por elas.
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