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Tudo está diferente (mas nada mudou)


“As coisas estão melhorando / ou você ainda se sente o mesmo?” – “One”, U2


Mas isso era inevitável, não é?

Vai levar um tempo para que tudo realmente mude. Ao contrário do mundo projetado pela união instável entre minha ansiedade e minhas expectativas, o sol que nasceu hoje não tende a iluminar grandes avanços. Pelo contrário: salvo uma ressaca ou outra em destaque, a tendência é que a vida continue a provocar as mesmas dores de cabeça de sempre. 


Calma: isso não é o reflexo de algum instinto pessimista crônico. Acredite se quiser, mas isso é uma promessa. Talvez a mais otimista e generosa a passar pelos seus olhos hoje.


Talvez já tenha acontecido com você: em menos de 24 horas, toda a fé que você depositou no universo acabou sendo implodida devido a algum descuido, esquecimento ou hábito – invalidando toda e qualquer nova atitude que você imaginava ter quando o relógio marcasse meia-noite. 


É comum de esperar que a fundação do universo simplesmente se reconstrua num passe de mágica da noite pro dia – isto é, até o primeiro sinal de estresse testar a sua resiliência e provocar furos na dieta, desânimo no treino ou pressão à sua suposta renovada paciência. Por isso estou aqui: para te lembrar que nada irá acontecer da noite pro dia, mesmo quando a virada em questão envolve um novo calendário.


Não coincidentemente, também é comum abrir mão dos votos que fizemos em meio a brindes de champanhe e abraços calorosos sob o som de fogos e a luz do luar. É mesmo um cenário impactante para inspirar grandes movimentos e audaciosos planos. O problema é manter essa mesma força de vontade ao nascer do sol, dia após dia, tempos após os fogos cessarem e a rolha de champanhe que você decidiu guardar se perder entre as toalhas e a louça.


É claro que as coisas podem mudar – melhorar, até! – mas só se você estiver comprometido consigo mesmo o bastante para levar essa mudança adiante. A ironia da natureza é que, apesar de nada acontecer num vácuo, esse vazio sempre será preenchido por alguma coisa. Você decide se será algo novo ou um episódio da velha programação. 


Infelizmente, entender que isso está nas suas mãos sempre soa menos glamuroso quando uma dessas mãos não está segurando uma taça de champanhe.


Se quer mesmo que as coisas sejam diferentes daqui em diante – ou, quem sabe, que até mesmo melhorem?! – vai ser preciso mais do que uma inspiração eufórica em meio ao som dos fogos de Copacabana explodindo na televisão. 


Não me leve a mal, é sério: não estou aqui para motivar ou muito menos decepcionar alguém que ainda nem acordou e continua preso no ano passado, saudosamente preservado da verdade inconveniente que Elis Regina já nos alertou: o novo sempre vem. 


Quando digo que estou sendo generoso, é justamente como sugiro que você encare a si mesmo daqui em diante. Porque erros serão cometidos, acidentes farão parte do percurso e desvios serão necessários eventualmente. Julgar o teor e o sucesso das suas promessas de acordo com os protocolos que o próprio universo insiste em aplicar seria um grande desfavor. 


Agora, aceitar que – pasme – as coisas ainda continuarão como são por algum tempo e nada se transforma drasticamente num piscar de olhos, no estralar de fogos ou no soar de um brinde, é o maior gesto de confiança e compaixão que você pode depositar em si mesmo por enquanto. 


Não temos todo o tempo do mundo, mas os clichês pairando à nossa volta sobre como temos mais de 300 novas oportunidades para fazer as coisas diferentes, são compartilhados por um motivo. Significa que estamos cientes do que temos em mãos e do potencial envolvido. O que faremos com isso começa hoje, mas não termina hoje. 


Quando eu era mais novo, a decepção sobre não alcançar imediatamente tudo que eu sonhei logo após o réveillon me fazia duvidar de qualquer capacidade de perseverança ou sucesso. Mais do que entender, é preciso aceitar que a realidade de “um dia de cada vez” sempre se sobressai à falácia da mudança “da noite pro dia”. 


Isso não significa que as coisas seguirão seu rumo sozinhas. Só significa que abrir mão da pressão de ser quem você quer ser é o que realmente irá te ajudar a chegar lá.


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