Resiliência: capacidade de o
indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de
situações aversivas sem entrar em surto psicológico. Mas apesar da descrição
bem clara que o Deus Google me
trouxe, nada nem ninguém vai superar o modo como eu realmente descobri o que
significava ser resiliente: através do Vanderlei
e a Honda Biz-125 problemática dele.
Dia desses, Domingão de sol, Vanderlei
saiu da sua casa lá do outro lado da cidade para visitar sua namorada, Adelaide. Caso você ainda não tenha
percebido, estamos falando daqui de algo que aconteceu com um amigo de um amigo
meu que, obviamente, não se chama Vanderlei,
nem assumiu algum compromisso sério com uma Adelaide.
Enfim, lá estavam eles, sendo felizes de mãos dadas e pernas encostadas, ao som
de Faustão e funk que empobrecia a vizinhança barulhenta lá fora.
Mão aqui, mão ali, mão acolá só depois do casamento, Vanderlei percebeu que já estava tarde e
precisava ir pra casa. Mas quando montou em sua singela Biz e dirigiu alguns bons
quarteirões acima da casa de Adelaide,
Vanderlei notou algo estranho. Já não
era de hoje que a Biz de Vanderlei
andava ameaçando dar problema, mas imprevistos não se chamam imprevistos a toa.
A moto balançou, balançou e balançou até que, desmentindo o mito da música,
finalmente parou e o derrubou com a cara no asfalto. Assustado e tremendo, Vanderlei tentou se recompor para
analisar a moto e descobrir o que havia acontecido, até que encontrou o
problema: um pneu furado.
Para vocês que não conhecem o Vanderlei
– nem nunca vão conhecer, porque ele não existe – preciso lhes contar que
mecânica básica não era o seu forte. Por mais que seu pai quisesse que ele
tivesse prestado o vestibular para Engenharia Civil, Vanderlei não era desse
tipo de se deixar levar pela comodidade e a segurança de uma profissão bem
estruturada e reconhecida. Não. Vanderlei
estava no segundo semestre de Ciências Contábeis, onde calhou de conhecer Adelaide.
A vida tem dessas coisas,
pensou Vanderlei. Mas se não usasse
seu amor por Adelaide como
justificativa para tudo – inclusive para não ter prestado atenção nas aulas de
mecânica básica da auto-escola porque só conseguia pensar nela – talvez não
estivesse agora com uma tatuagem do asfalto em seu rosto e nenhuma ideia de
como sair dali. Tentou ligar para Adelaide,
mas quis a vida – ou o Universo, ou apenas Newton com sua lei tragicomicamente
infalível – que sua bateria acabasse logo ali, mas não antes que sua mãe, dona
Euzébia, ligasse para ele, desesperada para saber aonde ele estava. “Como assim, sua moto deu problema?! Foi por
isso que eu te avisei para não comprar uma porcaria dessas! Quer saber? Boa
sorte com isso!” e desligou.
E Vanderlei também não era
desses caras atleticamente desenvolvidos a ponto de conseguir empurrar a Biz de
volta por aqueles quarteirões já cobertos pela noite para se refugiar na casa
de Adelaide. Foi aí que ele me contou que decidiu fazer o que qualquer pessoa
emocionalmente madura faria. Aliás, o que qualquer adulto maduro, próspero e resiliente poderia fazer numa hora como
essa: sentou no meio-fio e chorou.
Antes que você comece a gargalhar às custas da tragédia de Vanderlei – como eu naturalmente fiz
quando ele me contou; não que ele exista, claro – é preciso admitir que o
instinto de desespero dele, embora hilário, tem um fundo inegável de verdade.
Sentar no meio-fio e chorar é o equivalente a ser condenado a um regime
semi-aberto de trinta anos de prisão ou, quem sabe, derrubar o smartphone no chão com a tela virada
para baixo. É aquele aperto no coração, nó na garganta, dormência na perna e
borboletas alopradas no estômago, tudo de uma vez só. E são justamente nesses
momentos em que a vida – ou o Universo, ou Newton – decide que já riu demais e
está na hora de dar um fim naquele sofrimento.
Pois quiseram os deuses que logo ali, do outro lado da rua, estivesse
rolando um churrasquinho aos fundos de uma oficina. Vanderlei só não havia prestado atenção no funk vindo de lá, porque
ele já estava acostumado com o funk que dominava as redondezas da casa de
Adelaide. E como uma mariposa assustada em direção à luz, Vanderlei empurrou a Biz com todas as forças que seus braços
franzinos eram capazes de produzir, e timidamente bateu palmas em frente ao
portão da oficina, sem resposta. Visto que desgraça pouca definitivamente já
não existia mais naquele ponto, Vanderlei
timidamente se permitiu entrar e lentamente caminhou em direção ao que agora se
tratava de uma roda de pagode.
“Lê lê lê lê lê, lá em casa! Lê lê
lê lê lê, na cama! Lê lê lê lê lê – opa, quem é você?”. Vanderlei se apresentou, com a cara
inchada de tanto chorar, sua camiseta velha dos Ramones que ganhou de Adelaide
(e só usava quando ia vê-la, porque seu gosto estava mais pra One Direction do que qualquer vertente
do rock) e seu all star azul (que parece muito bonito na música, mas ridículo
naquele momento em particular), até que um dos mecânicos – segundo Vanderlei, o mais bêbado de todos – se
levantou e também se apresentou.
Seu nome era Borracha, assim
como o cheiro de queimado do seu bafo. Quando avistou o problema na moto de Vanderlei, Borracha imediatamente gritou: “Isso
não é nada, amiguinho! Pois sente aqui com a gente, tome uma ou duas se quiser,
que em quinze minutos esse projeto de moto já vai estar pronto pra zarpar!”.
Vanderlei depois me disse que se
sentiu dançando por dentro, mas tentou manter-se sério diante do anjo Borracha
que havia sido mandado para ele. Quinze minutos depois, Vanderlei montou na Biz
e perguntou ao Borracha quanto aquele conserto iria custar. “Fique tranquilo amiguinho, precisando,
estamos aí!” e abriu o portão para que Vanderlei
pudesse ir para casa.
Daquele dia em diante, qualquer dificuldade que Vanderlei chegou a
passar na vida imediatamente lhe remetia a imagem dele mesmo sentado e chorando
no meio-fio de uma rua escura, com uma Biz furada de um lado e nenhuma
esperança de outro. Aquilo sim era resiliência, não essas definições pobres que
qualquer Bing da vida te traz. Quanto
a mim, eu levei a experiência de Vanderlei
– que não existe – como um aprendizado. E sempre que um pneu da minha Biz
furar, e eu me sentar no meio-fio para me entregar ao choro – metaforicamente,
claro – sei que não preciso temer mais nada. De um jeito ou de outro, uma
oficina vai aparecer.
Se isso não é ser otimista, então eu não sei o que é.
muito bonito amigo gosto de ler suas coisas sempre que eu colocar meu nome em baixo e por que li fique sabendo disso ta bjooos dayane azevedo
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