Marília Mendonça e eu temos muito em comum. O que imediatamente eterniza-se como mais uma frase que jamais pensei que escreveria – em parceria com os sucessos “nunca amarei de novo” e “Foz do Iguaçu será bom para morar”. No entanto, por mais assombrosas que as nossas lembranças se tornem ao longo da vida, não posso negar que, em um determinado momento, foi preciso admitir certas coisas que aprendi com o sertanejo universitário. O que invariavelmente nos trouxe aqui – Marília e eu – juntos e shallow now.
Primeiro, uma constatação óbvia: meu conhecimento sobre Marília é diretamente proporcional ao dela sobre mim. Movemos por círculos diferentes, é fato – ela viaja pelo país enquanto eu sequer tenho forças pra ir até o centro da cidade. Mas somos invariavelmente congênitos em se tratando da nossa arte, remuneração à parte. Mesmo sem conhecê-la bem, seu trabalho ecoa o suficiente para chegar até a mim. Vez por outra, na música que toca ao fundo no bar ou, em piores instâncias, nas tardes de sábado por meio dos covers que minha vizinha escandalosa protagoniza enquanto lava roupa.
De um jeito ou de outro, Marília se faz presente, inegavelmente pelos temas que aborda: sofrência, carência, bebedeira, drama, desgraça, paranoia, negação, desilusões amorosas... Soa familiar? De novo, reforço que nosso sucesso é relativo... Considerando o fato de que o dela rende shows, fãs, entrevistas, enquanto o meu... segue na expectativa de existir. De qualquer forma, até eu devo admitir que a mulher é boa no que faz, pelo simples fator da identificação. Ao sofrer pela arte, ela conquistou um público. Eu, aos meus meios, conquistei outro.
Por isso me chamou a atenção o quão revoltado esse público se tornou, diante das bombas que Marília revelou: a tal rainha da sofrência não está apenas namorando, como está grávida. “É o fim”, ouvi dizerem sobre ela em entrevistas de rádio. “Como ela vai escrever músicas agora que está feliz?”, twittaram por aí. Não obstante, e modéstia à parte, já ouvi dizerem o mesmo sobre mim: “Como vai escrever se está feliz, noivo, trabalhando no que gosta?”.
Pra quem passou anos escrevendo sobre encontrar amor, algo que gostasse de fazer como profissão e muitos, mas muitos (sério, muitos) outros dilemas, o que resta a dizer diante do pós-mortem de toda aquela angústia? Eu poderia reforçar o que certas linhas de pensamento existencialistas dizem sobre a angústia da vida realmente nunca ter fim, mas não vou. Mantendo firme a nossa colaboração indireta, repito o que Marília e minha vizinha barulhenta sempre cantam: “A garrafa precisa do copo / O copo precisa da mesa / A mesa precisa de mim / E eu preciso da cerveja”.
A mulher fazia música entre as ruínas, não apenas para sobreviver, mas para acalentar outras pessoas que precisavam desse consolo. Miséria ama companhia. Não é a toa que a literatura atinge seu ápice na tragédia. Finais felizes lotam cinemas. Finais tristes enfeitam bibliotecas. Interlúdios musicais tragicômicos lotam shows. É uma questão de público, oferta, demanda e estado de espírito, realmente. E sobre criar algo belo a partir do feio, seja por música, seja por letra, é algo que move a todos nós, à sua maneira.
Eventualmente os fãs se acalmaram e aceitaram que Marília não deixaria de ser Marília só porque estava prestes a concretizar seu sonho de ter uma família feliz. Assim como eu acredito que seja possível manter um nível saudável de neurose e sarcasmo em meio a uma vida feliz a dois. Sempre haverá algo a ser reclamado, desabafado, exclamado alcoolicamente em uma mesa de bar. Porque a vida ainda é a vida, e finais felizes são tão duradouros quanto os finais de semana: vivemos intensamente por dois dias, até o horário comercial nos puxar de volta à realidade.
No final das contas, uma Marília feliz e um Igor feliz continuam promovendo a mesma mensagem: na alegria e na tristeza, todo mundo vai sofrer. Mas como o palco aqui é meu, sigo sofrendo do meu jeito. Ironicamente, incorrigivelmente, ao som dos anos 70.
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