Dos conceitos que a modernidade líquida nos ajudou a construir, nada me chama tanto a atenção quanto o “nada sério”. Do latim “non factusattachiatus ad” (pesquise, vale a pena), o “nada sério” consiste naquilo que as pessoas dizem que querem quando tentam disfarçar o quanto gostariam mesmo de ter tudo. Só não podem admitir isso para aquele contatinho especial porque, né... Quem diria uma coisa dessas?!
É nessas horas que me vejo como o pobre Ted no episódio piloto de “How I Met Your Mother”. Depois de um primeiro encontro questionável com Robin, Ted a leva até sua porta e começa a se distanciar até finalmente romper com todo o bom senso que ainda tinha para desenfrear esse monólogo incrível:
Ted – Quer saber de uma coisa? Eu cansei de ser solteiro. Não sou bom nisso. Olha, obviamente você não pode dizer que ama uma mulher que acabou de conhecer, mas isso é uma droga. Mas te direi uma coisa: se uma mulher – não você, mas uma mulher hipotética – pudesse superar isso comigo, eu acho que seria um ótimo marido. Porque envolve coisas nas quais eu seria bom: fazer ela rir, ser um bom pai, levar os cinco cachorros hipotéticos dela para passear. Ter um bom beijo...
Robin – Todo mundo acha que beija bem.
Ted – Ah, mas eu tenho referências!
Você não pode dizer isso. Pelo contrário, você pode repetir as mesmas frases prontas, de novo e de novo e de novo, na esperança de que a dança dos matches de aplicativos finalmente chegue ao fim. “Sim, sou daqui”, “Sim, eu trabalho”, “Sim, eu não votei naquele cara”, “Sim, podemos marcar de sair um dia” (e realmente fazer isso!).
O carrossel da miséria emocional só cessa quando decidimos fazer algo diferente, ou arriscar dizer algo diferente. Fugindo dos roteiros pré-fabricados e ultrapassando os mil e um motivos pelos quais se relacionar com alguém novo é desaconselhável ou, pior ainda, perigoso. Horrível. Péssimo.
Por mais que a gente cresça, as borboletas no estômago nos acompanham em cada passo do caminho. Lembrando-nos que pode não dar certo. Ecoando todas as vezes que pensávamos ter encontrado “ele” ou “ela”, só para reencontrá-los perdidos na lista de contatos do celular. Desencavando presentes que prometiam ser o início de grandes legados, histórias de amor e tradições para contar aos netos, e agora não passam de souvenirs de esperanças passadas. Tudo que falta neles é a inscrição: “Estive apaixonado e lembrei de você”.
Eu não sei porque as pessoas se escondem atrás do “nada sério”. Como se a falsa indiferença fosse mais reconfortante em contraste a uma admissão de culpa: “sim, eu quero encontrar alguém e tentar ter algo sério, real, significativo de novo”. Ou, no meu caso: “sim, eu quero andar de mãos dadas no shopping de novo”.
Seja lá qual for o seu símbolo favorito, não abra mão do seu romantismo pela liquidez na qual vivemos. Aplicativos de relacionamento nada mais são do que mares desconhecidos, como talvez o próprio Bauman os caracterizaria, nos quais estamos desesperadamente tentando não nos afogar nem nos deixar levar soltos pela maré. O segredo para sobreviver ao mar aberto está justamente na nossa obsessão por levantar âncoras: em algum momento teremos que encontrar um porto seguro.
A maior ironia de todas está escondida justamente no mantra que repetimos para não assustar uns aos outros: não há nada sério por trás de um “nada sério”. Esperança, na falta de um esconderijo melhor, vive nas entrelinhas.
Ótimo texto! Parabéns!!! Relato dos dias atuais em que as pessoas não falam o que querem e o que esperam e quando falam, isso assusta. Mas porque assusta?! talvez seja porque as pessoas desacreditaram que o amor existe, que coisas boas existem, que sonhos se realizam, que relações podem ser reais.
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