Duas coisas me vieram à mente quando me dispus a enfrentar uma pista de caminhada de novo. E ao invariavelmente ceder à necessidade de correr em vez de andar a passos relaxados, apropriados para quem não fazia isso há um tempo considerável. A primeira coisa é que, ironicamente, esta não era a primeira vez em que o sentimento de competição me acompanhou. Bastasse alguém passar correndo por mim, para que eu imediatamente desse a largada à minha insensatez fora de forma. Porque é assim que eu vejo – e aparentemente sempre vi – a vida: como uma competição a ser conquistada, com marcas a serem ultrapassadas, limites a serem vencidos, e linhas de chegada que pareciam viver mudando de lugar.
Esta era a minha realidade: estar sempre correndo, custe o que custasse, com todo o fôlego que havia em mim, porque retroceder seria um ultraje e desacelerar, um sinal de desistência. A segunda coisa foi inédita – ao menos, em termos escritos. Em meio à corrida, ou a competição imaginaria que traço comigo mesmo versus o resto do mundo (como se a autocobrança não fosse adversária o suficiente), eu perdi o fôlego, parei e admiti algo: se há uma competição que move o mundo lá fora, eu perdi.
A questão é: há uma competição? Entre processos seletivos, concursos públicos, certificados de participação, menções honrosas e eleições para ser o orador da turma, o líder do grupo, o keynote speaker... Há sempre um a ser eleito. O escolhido. O contratado. O vencedor. Vivemos em um mundo onde a melhor vitória é simplesmente viver bem, ou o ABBA tinha razão esse tempo todo: o vencedor leva tudo?
Às vezes eu tenho a sensação de que cheguei atrasado ao mundo. Como se, quinze minutos antes de eu aparecer, todas as vagas foram preenchidas, todas as indicações foram apontadas, e todas as inscrições foram submetidas. À mim, restaram a adaptação a um admirável mundo semi-novo e a sensação de que ele está ao contrário e ninguém reparou. Ou então, repararam, mas melhor mantê-lo assim, pois daria muito trabalho refazer o modo como as coisas são conduzidas aqui. Eu não sei. A questão é: só por um dia, uma demanda, um instante, seria bom não me sentir insuficiente. Ou suficiente demais para um mundo saturado.
Talvez essa seja a verdadeira competição: não há mais para onde correr, e tudo não passa de uma prova de resistência, não velocidade. Prefiro pensar que não, mas alguns desabafos precisam ser feitos. Antes que eu opte por sair correndo por aí, estrada adiante, sem querer parar ou voltar. Para quem está fora de casa há um certo tempo, com bagagem o bastante para dar trabalho a qualquer caminhão de mudança, acredite: fugir não é uma estratégia válida.
A coisa certa, prudente, lógica a fazer seria simplesmente aceitar o fato de que, ao sair para correr pela primeira vez em meses, é óbvio que seu ritmo não será o mais o mesmo. O mundo não desacelera só porque você optou por sossegar. Tampouco as outras pessoas cessam suas maratonas individuais, para que você possa alcançá-las quando bem entende.
Ao longo dos anos, eu escrevi sobre jamais admitir derrotas, sobre nunca deixar de correr, e sobre fazer de tudo para manter quem eu sempre fui – mesmo que este alguém soasse disfuncional demais, apesar de toda essa história de, bom... escrever histórias. E apesar de todos as cidades por onde passei, as pessoas que conheci, os momentos inesquecíveis que vivenciei, algo em mim segue inquieto. Como se a estrada não tivesse fim, e estamos todos fadados a continuar correndo em busca de algo. Aquele lugar ao sol, aquela oportunidade de ouro, aquele reconhecimento condecorado. Há algo a ser dito sobre ter ambições, sonhos, metas. Assim como há definitivamente muito mais a ser dito sobre ansiedade, insegurança, e a lágrima que você rejeita ao encarar a si mesmo no espelho do banheiro. Surpreso e decepcionado com quem encontrou ali. Quem esperava encontrar afinal?
Eu vim, eu vi, mas ainda não venci. Ao menos essa é a sensação, ou a fadiga de quem lentamente se rendeu ao sedentarismo, física e literariamente. O que posso levar de tudo isso, enfim? Duas coisas, é claro. Primeiramente, não há uma conspiração mundial ao meu redor, nem pessoas magicamente bem sucedidas, nem atletas que aprenderam a completar os cem metros rasos da noite pro dia. Segunda... Bom, segunda é hoje. Também conhecido como o dia em que eu decidi voltar a correr, voltar a escrever, e voltar a acreditar.
Entre todas as coisas, algumas simplesmente não podem ser conquistadas. Mas há algo a ser dito sobre as pequenas vitórias do dia a dia, e como elas te lembram de que também fazem a vida valer a pena. Talvez esse seja o segredo, no final das contas. Pequenos passos...
Comentários
Postar um comentário