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Personalidades no limite III


Ser adulto é, por natureza, ser contraditório. Nada ficou tão claro para mim nesses últimos dias quanto isso, especialmente depois de desfazer a última mala da mudança. É oficial: estamos de volta à terra natal. Mas e quanto a pertencer a ela, de fato?

Transitando entre Ciudads e Puertos ao longo dos anos, devo ter perdido minha sensação de que estava no lugar certo em algum compartimento de bagagem. Isto é, supondo que a tive de fato em algum momento. Mas não estamos mais na Terra das Cataratas, dos turistas japoneses perdidos, e das placas em inglês. Não. Estamos no Norte. E se a lealdade dos Stark fizer jus à vida real, o Norte se lembra.

Voltando à contradição, matéria prima de qualquer ser humano. Levou algum tempo, confesso, mas eventualmente entendi que o que me levou à Foz em primeiro lugar era justamente o mesmo fator que fazia com que eu me sentisse desajustado por lá: as tais placas em inglês.

Já tivemos essa conversa, Igor. Um lugar tão turístico, em plena tríplice fronteira, recebendo milhares de pessoas das mais diversas partes do mundo, evidentemente fará com que seus habitantes temporários sintam-se mesmo assim: temporários. Estrangeiros, não pertencentes - ou estabelecidos, como diriam Elias e Scotson.

O estrangeirismo me atraiu à Foz da mesma forma pela qual meu apartamento dos sonhos deverá ter, obrigatoriamente, uma varanda de respeito: pela possibilidade de estar do lado de fora, sem sair de casa. Eu sempre quis conhecer o mundo, ou então não teria deixado Londrina 11 anos atrás. Só não queria me movimentar tanto assim. O mundo é um lugar gigantesco. Quem sabe ao migrar do Norte pioneiro para o velho Oeste, a curiosidade já se satisfaça.

Mas há, e suspeito que sempre haverá, algo em Foz do Iguaçu que faça com que você se sinta um estrangeiro. Seja nascido e criado ou migrante/imigrante, circular pelas avenidas e deparar-se com uma família japonesa de turistas desorientada, à procura de uma churrascaria próxima ao hotel no qual estão hospedados, parece ser estatisticamente inevitável.

Pode até ser só mais um dos vários limites geográficos que nos cercam, mas a tríplice fronteira é estratégica o bastante para engrandecer sua importância. O mesmo tempo que você levaria para chegar ao centro da cidade, por exemplo, poderia ser usado para almoçar na Argentina ou fazer compras no Paraguai, segundo as agências de turismo.

"Venha conhecer Foz do Iguaçu, destino do mundo", dizem. Só não dizem "fique por aqui", porque é preciso manter o mercado em movimento. Assim como as fronteiras, a experiência de Foz tem seus limites. Reconhecê-los, olhando em retrospectiva, faz parte da viagem.

Aconteceu que, depois de anos de engarrafamentos fronteiriços e notificações sobre meu celular estar fora de área, eu decidi que não queria mais viver no limite. Alongando meu espanhol instrumental e equilibrando uma vida entre três países. Quero estabilidade. E pelo que dizem por aí, não há lugar como o nosso lar.

É muito fácil se perder quando se vive no limite. Não é à toa que ainda me sinto um pouco desorientado ao estar de volta ao meu próprio berço. Talvez eu só não tenha terminado de chegar, mas estou a caminho. Tudo logo voltará ao normal, e as coisas se encaixarão em seus devidos lugares. Supondo, claro, que aqui seja mesmo o meu.

Só não me atrevo a fechar todo esse raciocínio com um clichê do tipo "sua casa é onde mora o seu coração" porque, ironicamente, ele - ou melhor, ela - ainda está em Foz. Algumas jornadas passam dos limites. Outras, no entanto, te trazem de volta.

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