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A última palavra


Às vezes eu estou errado. Mesmo treinando minha percepção a cada devaneio infame no qual me meto ao longo dos meus dias, procurando prestar atenção em cada detalhe remotamente significativo para desvendar o mundo e as pessoas ao meu redor, anotando mentalmente cada passo, cada olhar distraído, cada gesto, cada fragmento da minha rotina numa busca incessante por controle descarado e obstinado... Às vezes eu estou errado. 


É justamente nesses casos em que prefiro continuar quieto, só atento aos movimentos que me rodeiam para, no mínimo, não ser pego de surpresa por nada. Agora, opinar de fato sobre algo ou alguma coisa, arriscar algum palpite sobre quem você é ou deixa de ser, porque faz ou fez algo que lhe causou constrangimento, transtorno ou dúvida, somente sob demanda. E não é por medo de descobrir estar errado – pelo contrário. Eu não faço mais questão de estar certo sobre nada. Acho que ser feliz é mais benéfico a longo prazo.


O que quero dizer com tudo isso? Talvez algo diferente do que esteja acostumado a associar a mim. Ao contrário do que parece, eu não tenho respostas para tudo – mesmo quando minhas sobrancelhas ironicamente apontadas para você soem como se eu tivesse sim descoberto o segredo da vida, mas optei por guardar pra mim. Mas eu admito que é uma mudança recente.


Pra quem costumava fomentar qualquer discussão, dissecando uma palavra dita em falso como sintoma de algo muito mais profundo, íntimo e obsceno do que realmente pretendia ser dito, há um contraste bem evidente agora – ao menos para mim, que é mesmo o que importa. 


A verdade é que eu não gosto de brigar. Embora admita sim sentir uma onda de adrenalina nas minhas veias diante de qualquer situação adversa ou naturalmente competitiva. Na qual poderia enfim exercitar meus músculos argumentativos e submeter você à minha razão absoluta, ora por um contingente cognitivo, ora por cansaço eventual.  Ser o dono e proprietário da infame palavra final em uma discussão não era apenas o meu foco – era tudo pra mim. Mas... para que?


Quanto mais eu penso no tempo desperdiçado em desavenças desnecessárias, mais eu me culpo pelo desgaste claramente refletido em mim hoje. Eu não precisava estar certo, principalmente quando realmente não estava, para conseguir dormir tranquilo à noite. Mas é o tipo de coisa que, ironicamente, só se aprende com o tempo também. Você nunca irá convencer ninguém de nada sobre algo que ele(a) não esteja pré-disposto a acreditar. Assim como toda pergunta esconde uma intenção, toda discussão é promovida por um cabo de guerra imaginário – ou literal em se tratando de situações mais antiquadas, como uma briga de bar ou uma thread do Twitter.


Enfim, eu não tenho as respostas. Admito que nunca tive, porém sempre as procurei. Sobre o que estamos fazendo aqui, ou o que deveríamos estar fazendo. Sobre o que é certo ou errado, bom ou ruim, pouco ou muito... Sobre porque você e eu não demos certo, ou quem de nós realmente desistiu – ou se este realmente é o fim. Eu não sei. E jamais poderei convencê-la do contrário, porque de uma coisa eu sei: apesar dos pesares, não é assim que funciona. Alguém diz alguma coisa e alguém responde. Alguém confessa não ter as respostas, e alguém se propõe a procurá-las contigo. Quem realmente dá a palavra final não faz a mínima diferença. Não faz do fim algo menos definitivo, nem garante que seu ego continuará inflado na manhã seguinte. É por isso que, diante de mais um fim inesperado, eu não disse nada.


Isto é, quase nada. O que opto por fazer hoje é guardar as últimas palavras para mim, aqui. Você decide o que eu quis dizer. Se há algo sobre nós escondido nas entrelinhas ou não. Quando eu disse que viveria somente à base dos arrependimentos certos agora, isso inclui evitar seriamente a fadiga. Tudo que eu queria dizer – ou tudo que eu podia dizer, sentindo que ainda importava – foi dito. O que vier daqui pra frente é especulativo, hipotético e monólogo, e é melhor assim.


Outra coisa importantíssima a se considerar daqui pra frente: caso se lembre de algo que gostaria de ter dito, guarde para si. Eu não faço mais questão de ter a última palavra mas, para todos os efeitos, você já disse as suas. Vez por outra, entre trocas de palavras impossíveis de serem esquecidas, vale mais a pena optar por um adeus implícito. As últimas entrelinhas que terá de mim.



***


Onze anos atrás, eu criei um pequeno hábito de colecionar as músicas que inspiravam meus textos como um reforço para me ajudar a não me perder por aí. E o último texto do mês sempre vinha acompanhado da trilha sonora que o antecedeu, na esperança de que pudessem inspirar outras pessoas tal quais minhas palavras foram dedicadas a fazer. Não me lembro ao certo quando a tradição se perdeu, mas aqui estamos nós, de volta à ativa. Algumas inspiradas por pessoas próximas, outras por ironias da vida. Seja como for, vão-se as pessoas, ficam os ritmos. Nem tudo está perdido.


Trilha sonora de Janeiro (2021) (Disponível no Spotify)


01. One – U2

02. Hotel California – Spanish Mix

03. Viva Las Vegas – Lee Rocker

04. Disco Inferno – The Trammps

05. Just Dropped In (To See What Condition My Condition Was In) – The First Edition

06. Flowers on the Wall – The Staler Brothers

07. Easy – Commodores

08. Drops of Jupiter (Tell Me) – Train

09. Hurt – Johnny Cash

10. Tears Dry On Their Own – Amy Winehouse

11. Iris – The Goo Goo Dolls

12. Born to Try – Delta Goodrem

13. Will You Love Me Tomorrow/Head Over Feet – Glee

14. Stand by Me – Oasis

15. The One That Got Away – Boyce Avenue

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