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Mostrando postagens de janeiro, 2021

A última palavra

Às vezes eu estou errado. Mesmo treinando minha percepção a cada devaneio infame no qual me meto ao longo dos meus dias, procurando prestar atenção em cada detalhe remotamente significativo para desvendar o mundo e as pessoas ao meu redor, anotando mentalmente cada passo, cada olhar distraído, cada gesto, cada fragmento da minha rotina numa busca incessante por controle descarado e obstinado... Às vezes eu estou errado.  É justamente nesses casos em que prefiro continuar quieto, só atento aos movimentos que me rodeiam para, no mínimo, não ser pego de surpresa por nada . Agora, opinar de fato sobre algo ou alguma coisa, arriscar algum palpite sobre quem você é ou deixa de ser, porque faz ou fez algo que lhe causou constrangimento, transtorno ou dúvida, somente sob demanda. E não é por medo de descobrir estar errado – pelo contrário. Eu não faço mais questão de estar certo sobre nada. Acho que ser feliz é mais benéfico a longo prazo. O que quero dizer com tudo isso? Talvez algo diferente

Aquele amor que escapou

Não se preocupe, querida; isso não é sobre você. Quer dizer, não do jeito que talvez espere que seja, se fosse – mas não é. É mais do que isso. Tampouco é sobre nós – porque não houve “ nós ”. Sobre o que é então? É difícil dizer, visto que nada aconteceu. Ou talvez seja apenas sobre isso: a vida inteira que poderia ter sido e que não foi. Se Manoel Bandeira   fosse um poeta pior, talvez “ Pneumotórax ” recebesse um nome mais clichê como, por exemplo, “ Síndrome do Coração Partido ” – o que é real, diga-se de passagem . Ao que parece, um acúmulo de estresse centralizado no coração, oriundo de um reflexo psicossomático pode acarretar em uma falha generalizada. Resumindo: é possível sim sofrer, literalmente, por uma desilusão amorosa. Mas ao contrário do que estou tentando dizer, isso está longe de provocar um enfarto. É pior, porque leva mais tempo. Lentamente e sorrateiramente, conforme o tempo passa, as coisas se tornam mais evidentes. Algo que, por ironia da vida, não é mais questio

O soneto da resiliência

Foi entre sua primeira e segunda esposa que Vinicius de Moraes escreveu o que considero ser sua verdadeira magnum opus : o Soneto de Fidelidade , em 1939. Nesse contexto isolado é fácil entender como tamanha poesia poderia vir a ser eternizada no papel: um dos poetas mais famosos do país, no auge do seu primeiro matrimônio, recém jurado amar e respeitar na alegria e na tristeza até que a morte os separasse, colocou em estrofes seus votos mais sinceros como forma de protegê-los das atrocidades do tempo. É o mesmo movimento, creio eu, que o inspirou a escrever outra grande relíquia da antologia poética brasileira: o Soneto de Separação , em 1974, entre seu sétimo e oitavo casamento. Caso isso te surpreenda tanto quanto surpreendeu a mim, trago aqui a informação: ele se casou nove vezes ao longo dos seus 66 anos. Nove. O que me faz pensar que a primeira e a última linha dos seus dois sonetos mais famosos realmente conversavam entre si: “ De tudo ao meu amor serei atento [...] mas que se

Você vai conhecer alguém...

...e vai perde-la. Não da noite pro dia. Não de uma hora pra outra. Mas eventualmente, pouco a pouco, um passo em falso após o outro, quase sem querer, é... Você irá perde-la. Não significa que era a pessoa certa e sua playlist precisa ser atualizada para incluir só músicas tristes que combinem com um olhar triste pela janela do ônibus. Como se tudo que faltasse fosse a chuva batendo na janela e um mundo preto e branco ao seu redor ( pra combinar com o jeito que está se sentindo por dentro ). Nada disso. A verdade é que você vai conhecer muita, mas muita gente. Algumas irão te surpreender – por bem ou por mal. Muitas irão te decepcionar – talvez só um pouco ou o bastante para te motivar a acreditar que acreditar em conhecer alguém não funciona. Amor não é uma ciência exata – tentativa e erro podem funcionar até certo ponto, em se tratando de conhecer alguém. Mas para fazer dar certo não existe mecânica. Ou você sente, ou não. Ou você se doa à causa, ou abandona a campanha. E instala

A parte boa

Você não pode pular para o final da sua história sem passar por ela primeiro. Por bem ou por mal, estamos todos fadados a dias insossos de chuva e frio antes de realmente encontrar o nosso lugar ao sol. Mas isso é só a teoria, claro. Na prática, eu mesmo sempre me adaptei melhor aos dias frios e nublados. Não por serem uma metáfora infame de como eu me sinto, logo teríamos muito em comum desde o nascer do dia. Não; é mais simples que isso. A verdade é que, vez por outra, eu prefiro cessar fogo da constante competição imaginária que me rege e, enfim, desacelerar e adiar novas provações até que as condições meteorológicas melhorem. Resumindo: é o clima perfeito para colocar minha escrita, meus pensamentos e, obviamente, minha perspectiva em dia. Porque algumas coisas só são possíveis com o tempo – mesmo que seja nublado. Quanto a história em sim, bem... Onde estávamos mesmo? Enquanto esse que voz escreve segue assombrado com o vislumbre dos 30 anos, há mais de uma década que os grandes

A pessoa errada também diz "eu te amo"

Você acreditou quando ela disse, não foi? Bom, eu acreditei. A verdade é que a pessoa errada pode fazer quase tudo que a pessoa certa faria por você. Quando olhar nos seus olhos, conseguirá transmitir verdade. Quando toca na sua pele, faz toda a química que existe entre vocês transparecer. Quando diz o seu nome, toda a melodia que você nunca reparou antes parece ganhar vida. Talvez só exista mesmo uma coisa da qual a pessoa errada não é capaz: fazer você sentir que é certo estar ao seu lado.  Em contrapartida, toda história de amor inevitavelmente envolve uma faca de dois gumes. É importante reconhecer que, vez por outra, você foi a pessoa errada na vida de alguém. E talvez até pior: você sabia disso, mas não queria abrir mão dela mesmo assim.  Mas é difícil exprimir qualquer empatia pela pessoa errada – ainda que estejamos em seu lugar nesse exato momento. Por que qual defesa há, realmente? O que justifica manter alguém ligado a você, ainda que ela não está tão feliz quanto poderia s

Eu serei mudança

Mudar, na falta de uma palavra melhor, é bom. Não é a toa que existem inúmeros bordões exaltando o quão necessário é estar aberto a mudanças – independentemente se ocorrem por opção ou circunstância. As variações vão do folclore popular – sobre como de nada adianta comemorar a chegada de um novo ano enquanto você ainda viver sob velhos preceitos – à MPB – sobre como é preferível ser uma metamorfose ambulante. E é isso que me assusta no fundo: o inerente, inquietante, incorrigível impulso de mudança. Porque mudar, na falta de outra palavra melhor, também é aterrorizante. Às vezes me pego na dúvida sobre como reagir diante de comentários de amigos antigos ao se depararem com minhas fotos recentes. “ Você não mudou nada! ”, eles dizem, claramente querendo dizer que isso é algo bom. Mas... é mesmo bom? Ter o mesmo sorriso constrangido registrado em fotos, diante da bagunça previsível e instável por trás dele que aparentemente segue firme vencendo os testes que o tempo traz, é mesmo algo p