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Aquele amor que escapou


Não se preocupe, querida; isso não é sobre você. Quer dizer, não do jeito que talvez espere que seja, se fosse – mas não é. É mais do que isso. Tampouco é sobre nós – porque não houve “nós”. Sobre o que é então? É difícil dizer, visto que nada aconteceu. Ou talvez seja apenas sobre isso: a vida inteira que poderia ter sido e que não foi. Se Manoel Bandeira  fosse um poeta pior, talvez “Pneumotórax” recebesse um nome mais clichê como, por exemplo, “Síndrome do Coração Partido” – o que é real, diga-se de passagem.


Ao que parece, um acúmulo de estresse centralizado no coração, oriundo de um reflexo psicossomático pode acarretar em uma falha generalizada. Resumindo: é possível sim sofrer, literalmente, por uma desilusão amorosa. Mas ao contrário do que estou tentando dizer, isso está longe de provocar um enfarto. É pior, porque leva mais tempo. Lentamente e sorrateiramente, conforme o tempo passa, as coisas se tornam mais evidentes. Algo que, por ironia da vida, não é mais questionado por mim. 


Não é sobre imaginar o que não vivemos juntos, mas sobre o que vem a seguir. Você mesma disse que eu tenho um dom, intocado pelo tempo e incorrigível mesmo diante das circunstâncias mais adversas: nada nem ninguém me convenceu a deixar de acreditar que funciona. Falo de amor, é claro – um conceito obviamente estrangeiro para você, segundo suas próprias palavras. Não estar acostumada com algo não significa que isso não exista.


O que eu descobri ao longo do tempo, depois de mais desilusões do que sou capaz de contar, é que duas coisas sempre conseguiram me reerguer. A primeira, claro, é a crença inabalável de que existe amor de verdade por aí. A segunda, indiscutivelmente mais complexa do que qualquer outro fator envolvido, é a noção de que é algo que mereço. Mesmo nos meus piores dias em que tudo que soa mais razoável é aceitar que, no final das contas, só o que resta somos eu e as minhas músicas.


Nós podíamos ter tudo. Companheirismo, cumplicidade, carinhos e corações na forma de emojis enquanto não pudéssemos tocar um ao outro de verdade. Muito se fala – e principalmente se critica – sobre a modernidade líquida, mas é a realidade na qual vivemos. Pessoas se encontram por aplicativos, se apaixonam por palavras-chave e gestos virtuais e, se tiverem sorte, colocam-se à prova para tentarem traduzir tudo juntas vida afora. Às vezes funciona, às vezes não. Eu só não me cobro mais tanto quando não funciona. Eu estava ali, disposto. Crente que poderia ser diferente. Esperando ansiosamente que a procura terminasse. Mas alguns ciclos tem seu propósito – eu só não encontrei a minha ainda.


O que quero mesmo dizer com tudo isso é o mesmo que Bandeira consolidou há quase cem anos. A vida inteira que poderia ter sido e não foi, porque você ainda tem medo. Ainda acha que não é algo que acontece. Ainda acha que não merece. E no final das contas, nada disso tem a ver comigo. A vida inteira que existe e está sendo é pesada demais sem assumir o peso das responsabilidades de outra pessoa. Tampouco, suas negações.


É verdade: eu falo demais. Escrever então, nem se fala. E é impossível disfarçar a minha felicidade, assim como qualquer um que olhar nos meus olhos saberá que há algo de errado quando houver. Às vezes estou certo, mas com certeza nunca o tempo todo. E existem momentos de descuido, impaciência, crueldade e indiferença como qualquer outra pessoa errada que você já tenha conhecido – e se desencantado por ela. Eu não sou perfeito, nem jamais serei e o pior: jamais aspiraria por isso. Pelo contrário, e eu sei que isso pode parecer ridículo, mas eu era só um cara disposto a tudo para provar a você que a vida pode ser diferente. A vida inteira que ainda será.


Eu passei anos escrevendo sobre meus amores que partiram. As que estavam apaixonadas por outra pessoa. As que esperavam algo a mais de mim. As que simplesmente não se contentaram com a frequência dos meus descuidos. As que encontraram alguém melhor ao longo do caminho e largaram a minha mão. Até mesmo as que sequer conheci: eu ofereci meu coração a todas, e aqui estamos. Assim como nunca houve vergonha em procurar por amor, nunca haverá alguém capaz de quebrar por completo a minha capacidade de acreditar. Só significa que, vez por outra, será preciso recuperar o fôlego. E, sim, querida, você tirou o meu fôlego.


Eu fui sincero desde o começo: talvez eu não seja o amor da sua vida. Mas o que jamais prometi, nem ao menos esperei, era ser aquele amor que escapou. Infelizmente para você, é isso que eu acredito que serei. E não há nada que eu possa fazer a não ser dedicar uma última música a nós, antes de desatá-lo.


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