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Mostrando postagens de março, 2022

O domínio do "f*da-se"

Treze anos atrás, eu disse que quando dói a ponto de morrer, você sobrevive. Quod erat demonstratum. Na primeira temporada da pandemia, nenhum de nós imaginou, pra início de conversa, que seria uma “primeira temporada”. Olhando em retrospectiva, após algumas renovações involuntárias e variantes incessantes, parecer ser cada vez mais cômodo acreditar que nada será como antes. A questão é: nada nunca foi, muito antes do colapso de 2020.  Agora, o porquê nos apegamos aos desastres naturais externos mais do que às armas de autodestruição que estamos habituados a detonar em nós mesmos, eu ainda não sei. Talvez pela cobertura jornalística envolvida. Tudo soa mais urgente acompanhado pela vinheta do Plantão da Globo. Mas nenhuma redação pode viver em torno dos desgastes e destroços emocionais, tentando emitir algum alerta a partir deles. Não, espere. Essa aqui pode. Se estamos prestes a encerrar esse capítulo obscuro da nossa história, seria importante ressaltar os piores momentos – a fim de

O schadenfreude nosso de cada dia

Preste atenção, pois este vai ser um texto confuso. Mas eu prometo que você não precisa entender alemão ou geopolítica para saber do que estou falando. Schadenfreude. De origem alemã, o termo resulta da junção das palavras “schaden” – que significa “dano, tristeza ou prejuízo” – e “freude” – sinônimo de alegria, prazer. Você pode nunca ter ouvido falar nisso, mas a pratica diariamente e eu posso provar.  Schadenfreude é o motivo pelo qual, por exemplo, somos atraídos à janela após ouvir o freio demasiado que antecede a batida de dois carros na esquina. Ou a razão pela qual a guerra da Ucrânia se consolidou como uma linha editorial de toda grade televisiva – do matinal jornalístico ao entretenimento noturno. E é o catalisador das reuniões informais nos cantos do escritório para sussurrar sobre como a Cíntia da Contabilidade voltou a beber após seu marido sair de casa. Enfim, schadenfreude é o sentimento de euforia que só a falência alheia pode nos proporcionar. Analisado extensivamente

A falácia do custo afundado

Eu não vim até aqui pra desistir agora Entendo você se você quiser ir embora Não vai ser a primeira vez nas últimas 24 horas - “Até o Fim”, Humberto Gessinger É fácil se deixar levar pela falácia do custo afundado – tanto que aposto que você nem sabe o que é. Claro, já a vivenciou em primeira mão, já teve segundas intenções sobre ela, e já a presenciou em terceiros. Mas como é de se esperar de todos nós, só é possível mesmo absorver algo quando este algo se materializa de uma forma óbvia. Nem todo mundo reconhece a falácia do custo afundado, mas todos temos na memória a última vez agimos com teimosia. Ou então, a última vez que pensou sob a famigerada noção de que algumas oportunidades não cabem aos outros, apenas a si. Já tentou acelerar em um cruzamento sob o alerta do sinal amarelo? Ou insistir em percorrer um caminho apesar das placas de “rua sem saída” à sua frente? E quanto a conceder mais tempo do que um relacionamento necessitava antes de declarar sua falência? Esse misto de a

O complexo do perrengue

Eu agora espero pelo momento em que a catástrofe da minha personalidade se torne bela de novo, e interessante, e moderna...   – “Mayakovsky”, Frank O’Hara É um bom indício dos tempos nos quais me encontro hoje, quando me deparo diante de uma página em branco sentindo-me mais ameaçado do que o de costume. Não mais pelo medo das palavras que possam vir a ocupar aquele espaço, mas pelo medo de que não tenha restado nada a ser dito. Tempos de mudança, desequilíbrio e transtorno. Essa é a natureza da... bom, natureza. Não há corpo em seu estado presente que venha a permanecer dessa forma por muito tempo. Somos como os dias, os ventos e as dúvidas: em constante mudança, sem grandes esperanças. Mais do mesmo, de novo e de novo, até que o habitual recupere seu charme de outrora. O mesmo charme que nos atraiu a ele em primeiro lugar, e nos repeliu logo antes de partirmos. Existem várias maneiras de (tentar) descrever as mudanças, e raras são aquelas que ainda não conhecem o interior de um livro