Pular para o conteúdo principal

O "feeling"

Depois de toda a calmaria e despreocupação no 1º ato da peça, é de costume que o 2º ato desencadeie dificuldades, obstáculos e desafios que precedem o tal “final feliz” no 3º ato. E como se a mudança, a adaptação, o incômodo de dividir o quarto em um apartamento pequeno, e o primeiro emprego que forçou a exposição e o poder da fala não fossem o bastante, a nova barreira surgiu na forma mais aterrorizante para uma pessoa tímida (que, na maior das ironias, escolheu como projeto de profissão a comunicação social) – o primeiro dia de aula na faculdade.

Era possível perceber as semelhanças que o ensino superior e o médio compartilhavam ao reunir seus alunos pela primeira vez na mesma sala de aula; existem os mega-comunicativos que logo se enturmam, aqueles que fazem uso das companhias conhecidas para sobreviverem, e eu – eu estava tão nervoso quanto um animal assustado fora de casa. Por sorte (ou qualquer outra circunstância) eu não era o único, mas isso não fez da experiência muito menos inquieta.

Assim como em qualquer escola, o professor fez com que cada um se apresentasse – felizmente, não era um sádico então pudemos fazê-lo sentados. Alguns nomes e dados eu pude guardar, à medida que o coração – que estava a ponto de sair pela boca – permitia. Era um mar de rostos desconhecidos, e eu debatia com todas as forças para não me afogar. Porém, a sensação de surpresa similar a água entrando pelo nariz tomou conta de mim quando chegou minha vez de apresentar-me. Uma voz que eu nunca ouvira antes, mas que estava saindo de mim, proferiu o curto discurso:

- *tosse* “Meu nome é Igor, tenho 17 anos, sou de Londrina, moro em Cascavel há uma semana... E eu escolhi Jornalismo porque gosto de escrever...”

Um olhar desconcertado e uma erguida de ombros depois, a vez passou para o próximo da fila. Eram muitos os motivos que levaram as outras quarenta e nove pessoas daquela sala a escolher Jornalismo; alguns já trabalhavam na área e buscavam aprimorar-se, outros já eram formados em outros cursos que no fim não atenderam às expectativas estimadas, tinham aqueles que visavam áreas específicas como fotografia, rádio, repórter, etc. E então, havia eu e outros dois ou três que, como eu gaguejei antes, “gostam de escrever”.

Tivemos um intervalo de 10 minutos para “esticar as pernas”, banheiro e afins. Eu mal me mexi na cadeira, a não ser para mexer na minha mochila, e pegar meu caderno ainda virgem para escrever exatamente isto – como era do hábito, buscava refúgio em parágrafos, travessões e dois-pontos.

A primeira aula fora de Introdução à Comunicação Social (mais ironia?), e em seguida passamos para Fotografia (ou, Fundamentos da Fotografia & Fotojornalismo, só para ficar mais chique). O professor foi o primeiro a fazer chamada, só para associar os nomes aos rostos presentes. Com alguns fazia piadas e usou o gancho para anunciar que seu jeito era assim mesmo. Falou meu sobrenome errado, mas não de propósito. “Móresca”. Não tive forças para corrigi-lo e evitar ficar vermelho ao mesmo tempo, e nem tive sucesso ao menos em uma das duas. Ficou por isso mesmo, mas ninguém pareceu interessado.

Os professores eram instigantes e chamativos, o que evitava que as duas aulas com quase 4 horas de duração ficassem cansativas ou chatas. Ás vezes, direcionavam a voz para os alunos, mas ninguém se atrevia a responder tão cedo. Algumas respostas estavam na ponta da minha língua, mas a boca não abria. Ou então, abria mas não emitia voz (nem ao menos aquela voz desconhecida que eu produzi).

O que o professor de fotografia mais comentava era de como deveríamos aprender a ter um senso de perceber detalhes em não somente fotos mas em qualquer objeto – algo que uma aluna imediatamente nomeou como “feeling”, e o professor validou-a. Daquele dia, duas coisas me marcaram: o nervosismo e o “feeling”. O resto eventualmente viria a mim.

Entrei na sala mudo e saí calado. Minha sala era no terceiro andar; errei as escadarias para ir embora, quase fui parar no bloco 3 e tive que dar a volta no prédio. São 4 blocos dentro do campus, 4 blocos gigantes. Eu estava perdido no bloco 2, que era o meu, mas logo quando avistei a saída corri para ela e não olhei para trás. Estranhamente, não tive dificuldades para encontrar minha van no meio de tantas outras, iluminadas somente por alguns postes que forneciam aquela luz fosforescente fraquinha, e debaixo do começo de uma chuva.

Voltei para casa sem saber exatamente o que responder quando me perguntavam como tinha sido meu primeiro dia de aula, não comi nada e fui dormir. Só de pensar que amanhã eu veria tudo de novo, me fez supor que talvez tudo tivesse sido um sonho. Isto é, até eu reler tudo no meu caderno para ter certeza. Mesmo assim, dormi com meu “feeling” ligado, tentando me dizer que a tão comentada “vida nova” tinha começado, mas eu estava mais preocupado em me esconder debaixo nas cobertas e acordar na manhã seguinte com 21 anos.

No mais, meu primeiro dia de aula foi bom.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento