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Ferida aberta

Quando éramos crianças e nos machucávamos, era de costume transformar um arranhão em um escândalo ou anunciar uma torção como se fosse uma tragédia grega. E isso é normal; éramos jovens e desacostumados com a dor. Mas – gostemos ou não – isso muda com o tempo e logo descobrimos que nos machucar não é tão incomum e, infelizmente, é muito fácil.

A maior diferença, porém, é invisível aos olhos; uma ferida aberta pode ser tratada do mesmo modo, não importa se tivermos três ou trinta anos, mas não há Nebacetin que cure, digamos, um coração partido. E então aprendemos a cuidar do nosso emocional assim como cuidamos do nosso físico, mas não é nada fácil. Não existe um folheto que nos informe como prevenir decepções massacrantes ou lágrimas agonizantes, e por mais que a psicologia evolua, ainda não existe nenhum posto de saúde que ajude a reparar sonhos despedaçados.

No fim, ainda sofremos arranhões e torções como crianças, mas choramos sem lacrimejar, gritamos sem aumentar o tom da voz, e engolimos a dor até mesmo com um sorriso no rosto – porque, às vezes, um corte no dedo não é nada, comparado a uma desilusão amorosa ou a culpa por ter cometido erros irreversíveis.

Minha irmã ralou o pé semana passada e chorou muito. Tudo o que eu queria era dizer que ela logo voltaria a brincar com as amigas porque aquilo nem era dor, era só um treinamento. Mas ela só tem sete anos, então o Nebacetin resolveu. Eu fiquei mais aliviado do que ela.

***

Honestamente? Em um mundo objetivamente frio, ás vezes uma dose de subjetividade faz bem.

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