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A única exceção

Em dias que me sinto mais frio do que a névoa que invade a cidade após o por-do-sol, parece que o tempo não passou e que estou preso no dia seguinte ao que você foi embora. E não importa o quanto eu me esforce, não consigo rever todo o progresso que acho que fiz, as noites não dormidas, as músicas que me assombraram, e as lágrimas que não deixei cair. Já não espero que você volte - nem desejo mais isto - mas ainda sentir seu aroma no ar não é voluntário. E saber que você provavelmente nem lembre mais de mim também não ajuda.

É desconcertante sentir-se vazio por muito tempo e, com a mesma facilidade em que se cai neste abismo, de repente encontrar-se vivo, firme e forte, no mundo real de novo. Eu tentei tomar interesse por pessoas, algumas até me atrairam, mas nada tão autêntico quanto o que aconteceu ano passado. Quando você apareceu e mudou tudo. Mudou minha história, revirou minha vida, e se fez presente mesmo que distante. Era perfeito. E do mesmo jeito que você veio, você se foi. O sol continuava a nascer, os pássaros não deixaram de voar, e a vida continuou do mesmo jeito. Nada mudou; você só não estava mais aqui. E ninguém podia perceber isto como eu. Como nós.

Desde então eu passei a viver um sonho constante, a construir meus planos sob ilusões tão deliciosamente atraentes que optei por tomá-las como verdades. E dei vida à maior fantasia de todas; a idéia de que alguém que estava vida afora e que seria perfeita para mim, nossas almas se complementariam e encontraríamos um no outro tudo o que sempre procuramos, e descobririamos tudo isso somente com a troca de um olhar. Foi o que me levou adiante, dia após dia, crise após crise, lágrima após lágrima.

O mundo real tornou-se um inimigo, e as pessoas por completo perderam seu charme. A medida em que a fantasia tomava maior complexidade, menos as pessoas podiam se encaixar a ela, e logo eu percebi que estava sozinho de novo. E desta vez, nem eu mesmo estava comigo; pelo menos, ninguém podia me ver. Eu me recuperei, mas ninguém me conheceu de novo. Claro, eu nunca mais me mostrei. Crente de que as pessoas não entenderiam, meus monólogos interiores tiveram que bastar. E quando eu me convenci de que a vida era só isto, assim como os dias passaram a ser todos iguais, e a fantasia continuava a me envolver de modo que não precisava de mais nada, você voltou.

No limite da razão, sozinho e contra todos, e ao mesmo tempo com medo de que ninguém mais pudesse me conhecer e que eu não pudesse me conectar com alguém a ponto de entregar meu coração de novo, eu me rendi. O sonho acabou. Você voltou mas de certo modo nunca realmente havia partido.

E então, eu rompi com a lucidez. Eu te amo.


***


A pior parte foi, pela primeira vez em muito tempo, me sentir feliz de novo.


Música de Hoje: The Only Exception – Paramore.

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