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Cascavel abaixo de zero

Dos dias de hoje tenho apenas duas certezas; meu nome e o clima lá fora. E digo isto somente porque nos tornamos muito parecidos. Nome: Igor Costa Moresca. Clima: frio, tempestuoso, cinza, amargurado e fechado. Tenho tanto a dizer mas não sei como começar. Ultimamente tenho muita preguiça, mais do que o normal. Preguiça de sair, de lidar com outras pessoas, de tentar reparar enganos ou tentar coisas novas. Preguiça, não sei, de viver talvez. As pessoas estão conseguindo ver o sofrimento em meus olhos; até a capacidade de exibir um sorriso semi-pronto para tentar mostrar que está tudo bem se foi. Mas eu não deveria estar tão surpreso; sorrir nunca fez sentido em meu rosto. Acho que a ideia de não ser o bom amigo ou o bom filho ou até mesmo a boa pessoa por inteiro que eu sempre pensei que fosse está sendo mais do que eu consigo suportar. Afinal, se eu fosse todas essas coisas não estaria sozinho a maior parte do tempo; quer dizer, eu não me sentiria sozinho. Meu silêncio tornou-se desesperador; eu literalmente me sinto perdendo a fala a cada instante que passa, e com a fala eu também vejo meu humor, minha disposição, minha felicidade com pequenas coisas, meu amor que costumava ser maior do que a vida, tudo fora do meu corpo que sequer apresenta pulso ou qualquer outro sinal de vida neste coração.

Lembro que uma vez não me perguntaram, apenas me disseram o quanto era impressionante a minha capacidade de transcrever minha dor, minha alma, meu eu aqui neste pequeno espaço que se tornou grande parte do meu mundo, e torná-la visível para todos poderem se identificar ou se comprometer a tentar me socorrer da minha miséria. O que acontece agora é que eu mesmo venho me perguntando como eu consigo; como pode alguém transformar sua dor, suas angústias e desesperos que habitam as profundezas da sua alma perturbada em algo legível ou pior – compreensível a ponto de alguém dizer, “quem diria que mais alguém sente algo que eu pensava que só eu sentia.” A verdade é que escrever sobre mim, minha vida, completa com suas vitórias e derrotas, não é apenas uma qualidade ortográfica; é uma necessidade. Transcrevo tudo aquilo que preciso tentar dar forma; tudo aquilo que paira dentro de mim e permanece flutuando sem nunca se encaixar completamente. Por isso coloco tudo para fora, na maior das terapias de choque possíveis, e de algum modo ao reler aquilo que acabei de tornar público – algo que parecia tão dolorosamente particular – de repente parece que já não me pertence mais. A dor se foi, está jogada ao mundo para quem quiser se identificar ou se inspirar para reutilizar minhas palavras em qualquer outro contexto, mas não me traz angústia, agonia ou êxtase por tentar mantê-la mais presa dentro de mim. Muito da minha vida hoje eu não sei mais definir, a não ser a contínua necessidade de jogar fora tudo aquilo que me traz dor, em forma de palavras e parágrafos e pontuações, tudo bem organizado para me certificar não só de como foi armazenada, mas como também foi preservada para, anos depois, eu ter o prazer de reler e me surpreender com as coisas que um dia saíram de mim e foram escritas para o mundo todo ter acesso.

Quando eu disse que uma das duas coisas das quais tenho certeza hoje é o clima, é porque de uns tempos pra cá venho me considerando tão frio quanto Cascavel . A paixão pela vida se perdeu e o amor que causava ardor em minha alma acabou por me queimar de tal maneira que me deixou assim, com medo de deixar que as pessoas se aproximassem demais de mim – pois uma vez em que se é destruído de dentro para fora por alguém para quem você entregou em mãos a chave do seu coração, não é fácil deixar outras pessoas entrarem em seu mundo novamente. Cascavel parece ter entrado em seu agonizante inverno, mas eu nunca me senti tão frio quanto agora, para não dizer até mesmo tão distante de mim mesmo. Talvez quando o clima esquentar, o gelo que se formou ao redor do meu coração derreta e as coisas voltem a ter sentido. A preguiça talvez desapareça e eu me torne disposto a sair por aí para me aventurar novamente, para consertar meus erros e desenganos, e principalmente para voltar a acreditar que existe um motivo pelo qual toda essa dor que despejo aqui ainda renasce em mim; para que um dia, quem sabe, esses sentimentos deixem de existir em mim e dêem lugar a novas experiências, como amor de verdade ou felicidade que não traga consigo a necessidade de ser temida ou questionada. Assim como encontrar algo que você procura não se compara à excitação da busca, o melhor do inverno nós só contemplamos quando ele termina e as flores voltam a nascer ao nosso redor. O mundo renasce da frieza para o habitável novamente, e quando parece seguro sair lá fora sem medo ou sem um agasalho, sempre sentimos falta daquela brisa que apressava nossos passos. Às vezes o frio lá fora não se compara com a indiferença que vive em nós, ate o sol aparecer de novo e só o que restar forem as nossas angústias e um sentimento de que parecemos distantes de tudo e de todos. Apesar de todas as lágrimas, eu nunca me sinto tão vivo quanto durante o inverno. É às vezes precisamos sentir um pouco de dor para nos lembrarmos de que estamos vivos. Mas se não conseguir sentir o mesmo, não se preocupe; faça de minhas dores agora o seu alívio. Empresto vida demais inclusive para quem sequer percebe o quanto existo, mas ao menos agora sei que quando me calo, sentem falta das minhas palavras. E então, quando eu menos esperava, eu comecei a derreter.

Finalmente, algo para aquecer meu bom e velho coração de novo.

Ao som de: Heart of Glass – Blondie.

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