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Faca de dois gumes

Todo mundo já ouviu falar nas bases que um relacionamento precisa ter para dar certo: honestidade, cumplicidade, lealdade e - para não perder o costume - amor. Aí a gente sai à procura de alguém para deixar nossos dias mais felizes e quem sabe dar uma reviravolta na nossa vida, e às vezes até encontramos uma pessoa que parece disposta a nos amar de volta. O problema é que, na maioria das vezes, quem nós encontramos nunca parece ser alguém com quem nós gostaríamos de nos comprometer, porque muitos de nós cometemos um erro básico e letal para a nossa felicidade: procuramos alguém perfeito, e nos esquecemos de que tal pessoa não existe. Nem mesmo nos nossos sonhos o nosso amor é perfeito; quer saber qual é o defeito? Nós acordamos.

Pode parecer ruim não ter a pessoa "perfeita" ao nosso lado, mas se pensarmos por um instante em como seria talvez abriríamos mão desta ideia, começando pela definição de perfeição. O que seria perfeito para nós? Alguém que nos entende? Que completa as frases que começamos, que sabe o que estamos pensando só de olhar para nós, que compartilha os mesmos interesses, o mesmo gosto em comida, filmes e temperamento? Perfeição seria, no maior dos horrores, alguém igual a nós? Isso sim seria um erro.

Relacionar-se com alguém igual a si mesmo é uma faca de dois gumes: seria ótimo ter alguém com quem poderia compartilhar os mesmos gostos, mas o problema com esta visão distorcida de "alma-gêmea" que ninguém se lembra é que alguém igual a nós também teria os mesmos defeitos. E então construiríamos uma vida a dois com base na mesmo egocentrismo, a mesma teimosia, os mesmos maus costumes como não reparar em detalhes que fazem toda a diferença em um relacionamento (cortou o cabelo? comprou uma roupa nova? mudou o jeito de falar?), enfim, todos os fatores críticos capazes de transformar qualquer relação em uma receita garantida para um desastre amoroso. Uma faca de dois gumes pode nos cortar duas vezes mais.

Eu preciso de alguém diferente de mim. Talvez seja por isso que dizem que os opostos se atraem; viver ao lado de alguém muito parecido conosco pode ser fatal para nossa saúde mental. Imagine então, compartilhar uma vida a dois onde ambos são iguais? Talvez apenas um sobreviveria para contar a história. Não quero alguém igual a mim; quero alguém que me complemente, que me ensine coisas que eu não sei, e alguém para quem eu também possa adicionar coisas em sua vida. Quero alguém que se imponha, que não aja como eu diante de diversidades e apenas exclui a pessoa por ser diferente demais; quero alguém que me puxe pelo braço e me faça prestar atenção nela. Alguém que diga, "Nosso amor é maior do que a sua teimosia e a minha mania de controlar tudo. Vamos ficar juntos apesar de toda a merda que jogarmos no ventilador e que se voltará contra nós." Alguém nem pior nem melhor do que eu; alguém que apenas seja diferente. E que o amor um pelo outro seja uma das poucas coisas que teremos em comum.

Ao som de: Hello – Dragonette feat. Martin Solveig.

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