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Haja o que houver

Quando a vida nos joga em momentos de dúvida, a gente precisa de alguma coisa pra nos ajudar a lembrar que ainda é possível acreditar em algumas coisas. No meu caso, o motivo para continuar acreditando no amor está guardado dentro do meu guarda-roupa, junto a vários outros DVDs, e deve ter custado cerca de dez ou quinze reais. Dois anos atrás eu assisti a um filme que mudou o modo como eu enxergava o amor, ou o que eu conhecia como sendo amor até então, e pra variar era um musical; sobre um escritor apaixonado, uma mulher, uma série de obstáculos, uma canção secreta para lembrá-los do amor que sentiam um pelo outro, e um final infeliz capaz de superar qualquer desfecho água-com-açúcar do cinema atual. E quando eu sinto que minhas fantasias estão escapando por meus dedos e chegando perto do fim, eu deixo o mundo de lado e sento em frente à televisão para absorver a quantidade exata de esperança que preciso para voltar a viver bem.

A primeira vez que assisti foi há três anos na verdade, quando ainda estava em Londrina e, pra variar, perdidamente apaixonado por uma garota que não queria nada comigo. E aí a música apareceu, e de certo modo toda aquela agitação no meu coração sossegou um pouco e me fez perceber que mesmo que as coisas não estivessem dando certo pra mim, ainda era possível acreditar. Como eu disse, cada um tem seu jeito de renovar suas esperanças; meu jeito tem sido através de um velho DVD e uma música que posso até ficar anos sem ouvir, mas basta escutar só mais uma vez para relembrar de toda a letra, e de tudo que ela significa para mim. Alguns anos depois, eu estava fazendo compras para mim mesmo no mercado – algo que ainda era novidade para mim, considerando que estava morando sozinho há apenas três meses – quando passei por uma gôndola de DVDs em promoção e me deparei com o filme, o mesmo que eu assisti antes e que acabei por dar de presente a uma amiga antes de sair de Londrina. Foi aí que eu fiz uma decisão que definiu meu caráter dali em diante; tirei alguns supérfluos do carrinho para dar espaço em meu curto orçamento à aquisição do DVD. Naquela época eu também estava meio a uma nova crise amorosa; eu queria ela, ela queria outra pessoa, mas ainda assim não conseguíamos nos desgrudar um do outro. E continuar perto de alguém que você gostaria que fizesse mais parte de você do que ela delimita às vezes tem conseqüências inesperadas. Nesse caso, às vezes dói mais do que você imaginou que machucaria.

Aquela foi a primeira vez que busquei esta pequena fonte de imaginação para reanimar minhas forças para acreditar no amor, e mesmo que estivesse partindo de uma obra de ficção, acho que tudo que envolve amor nos faz mesmo fugir um pouco do mundo real e tira nossos pés do chão mesmo que apenas um instante, para tentarmos chegar perto daqueles sonhos bonitos e distantes que fazem nossas noites mais plenas e profundas. Tudo isso e muito mais, eu conseguia sentir de novo através daquela música. Para os amantes fictícios do filme era um modo de reafirmarem sua paixão não importa o que acontecesse, e para mim era o modo de impedir que a chama desse amor feroz, impetuoso e avassalador que vive dentro da minha alma de se apagar por completo. Duas noites atrás, eu tive um desses momentos e como já era de costume, deixei o mundo de lado para rever a velha história de amor de um escritor e uma cortesã que se conhecem através de um mal entendido, mas que se mantém juntos através de um amor que, ao contrário da mocinha, viveu para sempre. A mensagem do filme é a mesma que carrego comigo todos os dias, especialmente aqueles mais cinzas em que me parece mais difícil enxergar todos esses sentimentos que vivem esparramados em mim: a coisa mais importante que você aprenderá é simplesmente amar e ser amado. E haja o que houver, eu vou continuar acreditando.

Ao som de: Come What May – Moulin Rouge.

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