Pular para o conteúdo principal

A garota do adeus


            Você gosta de mim. Você gosta da minha honestidade, gosta de mim porque sou sincero e não minto para você. Você gosta de mim porque eu não alimento o seu egoísmo, nem jogo os seus jogos, nem respeito as suas incoerências.
Você gosta de mim porque eu sei lidar com os seus dramas, sei como enxugar suas lágrimas, e sei o que dizer para fazer você se sentir melhor. Você gosta de mim porque eu te faço chorar quando você precisa desabafar, mas é incapaz de admitir derrota, baixar as guardas e permitir que outra pessoa te veja vulnerável.
            Você gosta de mim porque eu não digo o que você quer; eu digo o que você precisa ouvir, e mais ninguém te diz - nem você mesma, quando está sozinha e mal se atreve a pensar nisso. Você gosta de mim porque somos parecidos, e é exatamente por isso que você impõe limites para mim no seu coração.
            Você gosta de mim, mas só até certo ponto. Você gosta de mim, mas pensa que não podemos ser mais nada além do que já somos, porque eu sou tão quebrado, perdido e inconsequente como você. Mas você gosta de mim. Gosta quando conversamos, porque é a maneira que você tem de enfrentar seus próprios problemas sem precisar se ver no espelho ou sentir na própria pele a dor da realidade de que, sim, você precisa mudar.
            Você gosta de mim, mas não se prende a mim nem a mais ninguém, e é por isso que articula sua indiferença com fineza toda vez que eu atinjo meu limite e me afasto. Você gosta de mim, porque sabe que eu sempre volto. Apesar de saber que você gosta de mim, eu gostaria de saber: porque você não para de me dar motivos para me afastar, e tenta gostar de mim também ao ponto de querer que eu nunca mais vá para longe?

***

            E por muito tempo foi assim que eu me senti, até de repente não conseguir sentir mais nada. Até não ser mais capaz de aguentar a sua respiração perto de mim, os seus braços ao meu redor e a sua boca usando meu nome em vão, completo com outros sentimentos muito bonitos mas que pareciam ridiculamente insinceros vindo de você, como alegria ou saudade.
            Mas um dia algo aconteceu. O inimaginável, o inesperado, o impossível. Logo eu que era incapaz de conceber a ideia de ficar longe de você, decidi que seria menos doloroso tentar sobreviver longe de você do que insistir em congelar no frio da sua sombra. – lugar da onde você definitivamente jamais me tiraria.
            Porque desde o primeiro momento em que nos conhecemos – e eu deveria ter prestado mais atenção aos seus olhos do que nas suas palavras – era claro que eu não seria mais nada pra você além de alguém que estaria sempre ali quando você precisasse, quando você quisesse, para tirar toda a dor do seu coração e guardar no meu, sem me importar por um segundo com o quanto isso me mataria por dentro a cada amanhã que viesse. Só que o último amanhã chegou e é isso.
           
            Eu não posso mais ficar perto de você. Não sou tão forte assim. Nem sei se um dia realmente fui.
           
            As certezas se foram. Estou me recompondo aos poucos; a mim e as minhas razões para acreditar em qualquer coisa de novo, principalmente nas pessoas. Ninguém que vier depois de você tem uma parcela da responsabilidade pelo que agora eu percebo que não foi nem você quem fez, mas eu mesmo. Você não me pediu para adotar a sua dor. Você só queria atenção. Só queria sentir que alguém gostava de você e conseguiu.
            Quem sabe por um instante você realmente gostou de mim e talvez até sinta mesmo a minha falta. Mas por mais que você goste de mim, eu amo você e essa é a maior diferença entre nós. A diferença que não me deixa mais negar o óbvio: você era a garota errada. E eu preciso deixar você ir, se eu quiser encontrar a certa.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento