Pular para o conteúdo principal

Minha


(Oito meses atrás...)

            Choveu todo dia. Fez frio também, quer dizer, quando não fez calor demais. O céu estava fechado, o tempo estava nublado, as pessoas sumiram e não havia movimento nas ruas. Não havia barulho também, a não ser pela agonia profunda e gritante que o silencio provocou dentro de mim e que fui obrigado a expor para o mundo em forma de pequenas lágrimas reprimidas e olhares distantes para o horizonte em que eu procurava por algo além das estrelas e a luz do luar. Era você que eu queria, mais do que as estrelas e o luar, ou o clima perfeito para sair de casa. A verdade é que está tudo bem; o clima, as pessoas nas ruas... A cidade não mudou; essa tempestade toda está acontecendo dentro de mim.
            Começou na cabeça e choveu no coração, e pra não me afogar só o que me resta é colocar um pouco dessa água pra fora, entre vírgulas, frases e respingos de esperança que agora pulam dos meus olhos em busca de ajuda. Você não está aqui comigo e a vida continuou, e isso parece tão... Injusto. E apesar da calmaria lá fora, aqui dentro continua chovendo e talvez só pare quando você voltar. Não precisa voltar para mim, ou por mim. Apenas volte e traga o sol de novo; depois a gente vê o que faz.
            O mais triste e surpreendente de tudo é que a vida realmente continuou; eu aprendi a começar os dias sem você, a sorrir sem ter você por perto, e a ter que me contentar em conversar com outras pessoas enquanto a sua voz está distante. Essa sensação de stand by existe, mas é menor do que toda a melancolia que está sendo derramada de mim agora. E aquela velha lição sobre não ter que precisar da pessoa para assim poder realmente amá-la e compartilhar a vida em vês de simplesmente pedir que você me complete nunca pareceu tão verdade como agora.
            Eu não morri sem você, e posso continuar sobrevivendo com a ideia de que a chuva lá fora não tem fim, porque eu sei que não é real. Mas eu gostaria de ter você por perto mesmo assim. Quem sabe quando você voltar para cá, você volte para mim também, assim, de verdade, sabe?

***

(Hoje)

            Você voltou. Ao contrário do que eu costumava acreditar, o calor e o céu limpo e claro que acompanharam o seu retorno não passaram de coincidência para mim agora. Porque não só eu percebo bem agora o quanto você sempre esteve distante até mesmo quando estava a alguns passos de mim, como eu percebo que quanto mais eu acreditei que amei você, você nunca foi minha. Você voltou, mas não por mim.
            Eu honestamente não me lembro mais de como era sentir que meu dia só começava de verdade depois que eu via o seu sorriso. Também não me lembro dos motivos pelos quais eu ficava tão ansiosos durante aqueles últimos minutos solitários antes de você entrar por aquela porta, porque você jamais entrou ali pensando que estava entrando também na minha vida. No entanto, a última vez que eu a vi sair foi definitiva. Você nem sequer olhou para trás, e também nunca mais voltou. Mas apesar de tudo, jamais considerei o frio e a chuva que vieram em seguida como consequências do seu descaso, seu desprezo e, acima de tudo, seu abandono.
            E com o passar do tempo e das nuvens, eu sobrevivi a ponto de conseguir dizer a outra mulher que eu a amava. Que eu precisava dela. Que eu precisava de alguém. Isto é, até não sentir mais. E me pergunto se foi assim que você se sentiu também. Por        que por um instante eu acredito de coração que eu fui mesmo importante para você. Quem sabe, talvez por alguns minutos eu possa até ter sido o homem da sua vida, até não ser mais. Não sei dizer se foi você quem me deixou assim, mas é a sua imagem que me vem à mente quando me percebo colecionando corações por aí só para desaparecer em seguida. Assim como você não foi minha, eu aprendi que não sei como é ser de alguém.
            Mas apesar de tudo, eu queria que você tivesse ficado.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento