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Sinais de fumaça


            Eu não sei o que dizer. Logo eu que costumo ter um certo jeito com as palavras, já não sei mais como colocá-las em ordem de modo que expressem o que eu quero dizer, muito menos o que eu sinto agora. Eu não sei o que eu sinto. Não é cansaço dessa vez porque o dia foi bom, foi produtivo. Não é fome porque eu aboli este sentimento da minha vida depois das seis da tarde, pelo menos por um tempo. Não é saudade porque eu acredito agora que não vou perder ninguém das pessoas que realmente importam, e que vão continuar na minha vida na sobriedade e no alcoolismo até que a morte nos separe. Então até agora já eliminamos fadiga, gula e paranoia. O que resta?
            Não, não é isso. Não pode ser isso. Nós já passamos disso. Nós já falamos sobre isso mil vezes e sabemos como acaba. E é por isso que nós não estamos falando sobre isso. Na verdade, é por isso que não estamos falando nada. E tem sido quase ótimo. Quase perfeito, porque por alguns instantes durante o dia eu me esqueço de que isso existe. Eu me esqueço de que você existe, porque é disso que eu preciso agora. Confesso que sua ausência não foi planejada. Eu não passei noites em claro planejando uma estratégia de saída da sua vida. Pelo contrário; eu só parei de arquitetar planos para continuar nela, porque era muito trabalho para pouca recompensa. E olha que você nem fez nada demais dessa vez. Você só foi você mesma, e pra tropecei mais uma vez no seu jeito de ser e dei de cara no chão, meu velho amigo.
            Você não sente a minha falta. Me atrevo até a acusar que você não faz ideia do que é sentir a minha falta, porque eu mesmo não sabia como isso poderia afetar a vida de alguém que realmente se importa comigo. Mas você gosta de pensar que sente a minha falta pelo menos motivo que eu gosto de pensar que isso é verdade: porque nós somos iguais. Somos cativantes mesmo com o nosso jeito torto, a nossa falta de bom senso e noção de vergonha. E atraímos outras pessoas para as nossas vidas porque aprendemos que precisamos delas para o nosso próprio bem. Não porque precisamos da atenção - isso é só um detalhe que por acaso nós apreciamos muito – mas porque nós não suportamos a ideia de ficarmos sozinhos.
            A única diferença entre nós é que eu fui obrigado a aprender a como ficar sozinho. Como ser sozinho e viver sozinho mesmo quando tantos ao redor parecem espetacularmente capazes de nos socorrer do abismo aonde nós mesmos nos atiramos. Eu sei como é e faço tudo que posso para não voltar ao fundo do poço. Você se agarra à tudo que pode para não chegar ao fundo, apesar de estar claramente dependendo do limite da sua esperança para não cair. Estamos igualmente à deriva, mas em direções diferentes. Porque hoje eu preciso de certezas de que não vou afundar antes de me permitir ser socorrido por alguém, enquanto você solta sinais de fumaça para todas as direções e se contenta com uma multidão correndo para o seu resgate, onde eu acredito que poucos estão realmente preocupados com o seu bem estar.
            Eu estou me perdendo do que eu (não) quero dizer. Isto não pode estar acontecendo. Bom, eu fiz um excelente trabalho em não deixar acontecer por um tempo ao guardar para mim todo o recalque e a frustração que isso me causa, até finalmente ser vencido pelo cansaço e dar a luz ao meu problema através de uma fala desajeitada no canto escuro de um bar, ironicamente acompanhada por um copo de uísque completo com água sem gás. Você ainda mexe comigo, mais do que eu gostaria e menos do que você sabe. 2013 foi muito generoso em me trazer pessoas novas, lugares inesperados e experiências memoráveis, mas também me sacaneou direitinho em ter trazido você até aqui, até agora. Porque eu não falo com você, mas você está na minha fala. Eu não procuro você, mas você está na minha vista. Eu não olho pra você, mas você está nos meus pensamentos. E não é possível que eu não tenha aprendido ainda. Não é possível que em 3 anos eu não tenha aprendido nada. Não é possível que você seja tão igual a mim. Não é possível que você mexa tanto comigo...

            Não é possível que eu ame você.

            E aí está, senhoras e senhores, o que eu nunca soube dizer.

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