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Relacionamentos imaginários III


            Eu desisto. Como se as pessoas já não fossem difíceis o bastante de se entender em seu habitat natural, com suas coisas, suas neuroses, seus problemas, seus parentes e suas contas pra pagar, conceber a união entre dois seres igualmente disfuncionais e provavelmente semelhantes em seus desajustes e incoerências é demais pra mim. Talvez esteja cedo demais na minha vida para decretar uma opinião concreta sobre isto, muito menos duradoura ou perpétua, mas eu cansei. E não é porque eu não tenho nada de mais acontecendo na minha vida ultimamente a não ser pelas provas do último bimestre, os currículos que estou entregando por aí pra tentar colocar toda a psicologia que eu aprendi nos últimos quatro anos em prática, e a perna machucada que está começando a querer me motivar a andar sozinho de novo, porque tudo isso não deixa de ser importante e consumidor também. Mas eu desisto. Eu cansei. Existem vezes em que eu ainda consigo quase assimilar o sentido que algumas pessoas atribuem a si mesmas e as merdas que elas fazem, mas eu definitivamente não entendo relacionamentos.
            Como eles começam? Do que se alimentam? Fazem bem à saúde? Isso o Globo Repórter não mostra. Particularmente falando, confesso que não sei nem ler os sinais de que algo ou alguém está demonstrando ser promissora. Você é assim mesmo, legal e descontraída, ou está me dando mole porque percebeu e imediatamente decidiu que seria inútil lutar contra o fato de que eu sou irresistível? Ah, não? Você é só legal mesmo? Foi mal. E lá se vão meses de felicidade ao tentar juntar as pequenas peças do quebra-cabeça de uma nova paixão e os momentos de êxtase quando facilmente me engano e acredito que algumas peças se encaixam, e que isto é um sinal do universo de que estamos destinados a ficar juntos e que tudo dará certo. An... não. Lá se vão também meses de desilusão, músicas tristes, olhares pensativos em janelas embaçadas enquanto a chuva cai lá fora e reflete o tempo nublado como metáfora para a minha alma cinzenta que aos poucos tenta se conformar com a sua ausência. Lá se vão meses de inconformidade enquanto você passa por mim e se mantém completamente alheia ao fato de que nós fomos feitos um para o outro, mas que eu vou esperar por você enquanto você não percebe que esse cara tem carro, dinheiro, um belo sorriso e nenhum pingo de neurose nos seus músculos bem definidos, mas que ele jamais será como eu. Não, espera. Acho que me perdi no que eu queria dizer. Enfim...
            Eu também não entendo como eles terminam. Quer dizer, quando eles terminam. Ou então, quanto eles terminam de terminar. De acordo com as experiências que eu ouço falar por aí, são coisas diferentes. Por que eles terminam, se por algum tempo funcionou? Algo quebrou? Alguém deu defeito? Ou alguém viu um defeito que não tinha aparecido ainda, e aquilo foi a gota d’água? E aqui entram de tudo: ela não confiava em mim, ele não me amava de verdade (e o que é “amar de verdade”?), ela só quer me controlar, ele era muito ciumento, ela tinha medo de ficar sozinha, ele não estava comigo... E então o amor acaba. Eu não acredito que o amor sempre acaba. Parte de mim, meio à melancolia, o desânimo, a preguiça e os efeitos colaterais dos anti-inflamatórios (meus novos melhores amigos), ainda é bastante otimista e me faz pensar que pode sim dar certo. Dá muito trabalho. Tipo, muito trabalho. Mas pode dar certo. Só que quando não dá, pra onde vai todo aquele amor, que era tão amável até então? Para a próxima da fila? Ou a gente guarda pra si, igual quem fica remexendo as chaves guardadas no bolso ou fica atualizando o Facebook, esperando por algo ou alguém aparecer de novo, para abrir a porta e mandar uma nova mensagem. Confesso que um “oi” de alguém que eu ainda não conhecia já salvou o meu dia. Pra não falar de muitas outras noites solitárias. Confesso que algumas dessas pessoas, eu já não consigo mais viver sem. Confesso, também, que outras pessoas eram muito mais interessantes quando eu não as conhecia direito.
            Então, pra que servem os relacionamentos? São trabalhosos, demorados, consumidores, estressantes, fatigantes, irracionais, indescritíveis e, pelo que parece, finitos. Como se quando duas pessoas decidissem se unir, isto gerasse uma contagem regressiva imaginária que atua sobre o amor delas e o diminui a cada dia que passa, a cada briga que é mal resolvida, a cada olhar torto que é trocado e cada beijo distraído e sem carinho que é compartilhado. Como se todo esse esforço fosse em vão. Mas as pessoas insistem, especialmente quando estão carentes, decepcionadas ou desesperadamente querendo enxergar qualquer coisa que acontece como um sinal do universo. Como comprar iogurte no supermercado que está em promoção porque está próximo do seu prazo de validade. Algumas pessoas justificam que isto é viver. Pelo menos você se divertiu por um tempo. Pelo menos você aproveitou. Que seja eterno enquanto dure. E eu já comprei muito iogurte assim. E por iogurte, entenda como mulheres que não estavam nem aí, ou que até estavam um pouco animadinhas, e por isto mesmo eu deveria ter desconfiado do preço. Não adianta depois quando já se está passando mal, vomitando todo o amor que você engoliu achando que estava bom. Achando que era certo. Esperando que fosse diferente.
            Eu não entendo relacionamentos, mas parte de mim ainda sente falta de alguém. Não necessariamente de dormir com alguém, mas de acordar na manhã seguinte e te ver com a camisola bagunçada, com uma das alças caindo, descabelada e rindo comigo sobre qual de nós dois vai levantar pra ligar a cafeteira. Pra andar de mãos dadas por aí, não interessa pra onde, só pelo prazer de estar ligado a você. Só pela alegria de me sentir acompanhado, seguro, contente. Eu imagino que seria bom. Alguém pra animar os meus Sábados à noite, enlouquecer os meus Domingos, e dizer que sente a minha falta durante a semana. Alguém pra cuidar. É, alguém pra cuidar. Eu gostaria disso. Eu sinto falta disso.
            Ou talvez tudo isso seja só o meu medo transcrito em palavras, com esperança nas entrelinhas de que alguém leia e me convença de que, apesar de não fazer sentido, ainda vale a pena. Nem todos os iogurtes estão prestes a vencer, e nem todo o amor acaba derramado no chão com duas pessoas chorando por ele. Às vezes vale a pena. Felicidade é outra coisa que eu também não entendo, e não é a toda que entramos em relacionamentos por ela.
            Tudo bem. Eu não vou desistir.

***

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