Pular para o conteúdo principal

A baliza dos sentimentos


   É claro que as coisas podem piorar. Existe uma linha tênue entre esperança e psicose, e eu sinceramente acho que é em cima dessa linha que a gente caminha todos os dias depois que a vida, o trabalho, os relacionamentos e a chegada à casa dos vinte e poucos anos te diminuem um pouco. Tudo bem, talvez eu esteja exagerando. Talvez eles não te diminuam, mas definitivamente deixam aquela sensação de que algo está sendo tomado de você, e não há muito sendo recebido em troca. A não ser pela fadiga, é claro, que será eterna enquanto durar. O que explica o atual porquê de eu gostar tanto de passar meus finais de semana dormindo, descansando ou singelamente deitado, evitando movimentos bruscos para evitar que a vida lá fora me encontre e me puxe com unhas e dentes de volta para todo o seu redemoinho de compromissos e decepções. Ou talvez eu só esteja chateado porque eu reprovei no teste da baliza. É, provavelmente seja só isso mesmo.
   Não é o teste em si que me chateia, claro que não. O que me chateia é a mesma coisa de sempre; o que a baliza significava. A maldita metáfora que estava nas minhas mãos naquele momento, na forma de um volante que foi guiado torto demais, e fez um carro subir no meio-fio. O que aquilo realmente significava? Ah, adivinha? A minha vida, claro. Tão torta e mal-estacionada como aquele carro, é assim que eu sinto que a minha existência tem sido dirigida. E depois do erro vem as tentativas de justificar o porquê daquele acidente: foram tantas aulas teóricas e práticas, conselhos e treinos durante os fins de semana em que eu fui impiedoso com o meu cansaço e sacrifiquei o meu sono, pra que? Mas eu estou me adiantando. Vamos dar ré um pouco.
   2014 não está sendo fácil. Estágios foram perdidos, famílias foram encurtadas, faculdades estão acabando, amizades estão sendo testadas, relacionamentos morreram antes de começarem, e relatórios tem sido adiados. E como se nada disso fosse o bastante, eu subi no meio-fio no teste da baliza. E a verdade é que eu entendo; não é de hoje que eu venho tentando me desviar de obstáculos para endireitar a minha vida, só para puxar o freio de mão no fim do dia e suspirar por toda aquela ansiedade, aquela adrenalina e aquele nervosismo terem cessado nem que fosse por uma noite, para que eu finalmente pudesse descansar antes de acordar e começar a manobrar toda essa vida de novo. Porque a vida é uma manobra, um equilíbrio, uma tentativa. E quando digo que essa linha tênue, que está mais para uma corda bamba entre esperar pelo melhor e sonhar com o impossível, só para se descuidar por um segundo e quebrar a cara no chão da realidade, eu não sinto que estou exagerando tanto assim. Talvez nas metáforas, mas não na angústia. Não está sendo fácil.
   Durante os trinta segundos que eu demorei para me perder na manobra da baliza e subir no meio-fio, eu pensei em algo: além das linhas pintadas no chão do pátio do DETRAN, em quais outros parâmetros eu estava me sentindo coagido a tentar estacionar a minha vida? Em relacionamentos baseados em beleza, zero grau de compatibilidade, e combinações do Tinder, em vês de amor? Em amizades baseadas em consideração, em vês de significado? Em satisfações baseadas em momentos, em vês de planos para o futuro? Eu não sei. Só o que eu sei é que, no momento em que as rodas traseiras daquele carro atropelaram o meio-fio, eu só consegui pensar no quanto eu estive perdido esse tempo todo, atropelando a mim mesmo e outros meios-fios das ruas de outras pessoas por aí, por onde eu nem realmente queria passar, mas meu desespero por encontrar alguma vaga de estacionamento livre para chamar de minha era maior do que qualquer placa de sinalização que fosse clara desde o princípio que ali não era lugar pra mim. E mesmo assim, eu sempre me surpreendia quando a multa chegava e parecia injusta e cara demais para mim. Quem mandou não prestar atenção?
   E assim eu vou levando, tentando me cuidar diante desta enorme pista de obstáculos chamada vida, onde cada esquina esconde uma surpresa e nem todo o caminho é visível. E ainda bem por isso; ainda bem por não conseguirmos prever o destino que tanto desejamos alcançar. Senão, acho que nem daríamos partida no carro e tentaríamos seguir nosso caminho, entre quebra-molas, decepções e o que mais aparecesse diante do nosso para-brisa. Meu consolo é que por uma cara e dolorida taxa, eu posso tentar refazer a baliza. Minha vida, por outro lado, vai precisar de um pouco mais de atenção caso eu não queira subir no meio-fio da incerteza de novo.
   Talvez a minha vida fosse mais fácil se eu não enxergasse sentimentos meus esparramados por todos os lugares que eu passo, mas aí que graça teria? Certamente me deixou mais animado sobre ter ido mal na baliza, ou na prova de hoje na faculdade, ou nos últimos relacionamentos que tive, ou qualquer outra coisa que tenha se provado difícil demais para que eu acertasse de primeira. A verdade é que eu gosto da angústia de ter que tentar de novo. Só faz a aprovação parecer ainda mais merecedora.

   É claro que as coisas podem piorar. Assim como também pode melhorar. A diferença crucial entre esperança e psicose está em não tirar o pé da embreagem muito rápido. Aprendi isso do modo difícil.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento