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A síndrome do domingo de manhã

   Por mais que eu adore a vida e todas as excentricidades que ela me proporciona, tem coisas que eu simplesmente nunca vou entender. Ou então, penso que não vou entender porque ainda não vivi o bastante. Talvez a vida seja como montar um quebra-cabeça de dez milhões de peças, e conforme você amadurece e consegue ir juntando alguns pedaços, você descobre que aqueles pequenos fragmentos que pareciam tão insignificantes e incoerentes uns com os outros na verdade formam figuras que realmente fazem sentido. Pode ser só coisa da minha dor de cabeça, que está servindo de combustível para a ressaca da minha manhã de Domingo, mas sabe quando você acorda meio tonto, mas com a sensação de que finalmente descobriu como a vida funciona? Então, é quase isso. Só que depois de algumas cervejas na noite anterior, que te fazem acordar depois com a missão de tentar reconstruir tudo o que aconteceu. E você começa com a noite anterior, relembra o que te levou a fazer e a beber tudo aquilo, e termina com as dez milhões de peças da sua vida espalhadas pelo chão. Seria ainda mais fantástico se eu não precisasse de um analgésico agora.
   Acontece que o quebra-cabeças da vida é maior do que a gente imagina, e nem sempre o sentido daquela figura permanece. Sempre aparece alguma outra peça que parece que não se encaixa, mas que faz parte daquele cantinho e que dará forma a outras figuras, outras cores, outros temas. E talvez o problema esteja em querer tentar quebrar mesmo a cabeça para fazer aqueles mil fragmentos ganharem sentido da noite pro dia, mas não adianta. A vida é um quebra-cabeça muito complicado para se terminar em um dia, ou até mesmo para fazer sentido tão de repente. Você precisa continuar tentando encaixar aquelas peças, mas também precisa admitir que não há nada de errado em parar para descansar de vez em quando, porque por mais ansioso que você esteja para descobrir qual é o sentido de tudo isso, às vezes a gente acaba ficando perto demais das peças para conseguir enxergar o que elas estão formando. E por incrível que pareça, ou por mais ansioso que eu fique, eu sinceramente não quero que o quebra-cabeças acabe. Eu não quero saber o sentido ainda, porque por mais que não tenha plena noção disso, eu realmente estou me divertindo.
   Por exemplo, eu quero muito entender o porquê de todo esse medo, essa necessidade de querer ter o futuro todo planejado, quando eu sei que planos que saem de acordo com o que eu queria sempre me deprimem de algum jeito. É incoerente? Sim. É estranho? Sim. É inconcebível? Não. Eu tenho pena daquelas pessoas que tentam ser objetivas e diretas o tempo todo, inclusive de mim mesmo quando me perco nas minhas insanidades temporárias e passo a acreditar que elas não valem a pena, e que ser normal e ordinário é o que há. Não, Igor, não é. Nós, seres humanos, somos recheados de contradições e bipolaridades que, felizmente, não precisam de medicação que fuja a algumas conversas sem sentido na sacada de madrugada ou um porre ou outro para se afundar de vez na embriaguez que a vida causa, só pra gente sair ainda mais sóbrio e lúcido do outro lado da ressaca.  
   Chame de Síndrome do Domingo de Manhã se quiser, mas depois dos últimos dias que andei vivendo, toda aquela pressa para querer que o quebra-cabeças da minha vida faça sentido finalmente se dissipou um pouco. Talvez seja por causa de todas aquelas Heinekens, ou talvez seja porque eu tema que, no final das contas, quando a imagem se forme, das duas, uma: ou eu não goste do que vou enxergar, ou eu ainda não entenda. E como eu não sei dizer qual das duas seria pior, prefiro continuar com a espera, a procura, a caça pelas peças certas que se encaixam nos lugares certos. Eu não sei no que tudo isso vai dar, e nem que seja só pro hoje, eu não quero saber. Talvez eu entenda o porque da gente não ter dado certo, ou porque aquele emprego não durou, ou porque eu tenho a sensação de que as escolhas que pensem que fossem certas, pareceram tão erradas depois de um tempo. Ou talvez eu realmente não entenda. Talvez eu ainda não tenha vivido o bastante.
   Só o que eu posso dizer com certeza é que eu ainda quero viver bastante e quebrando a cabeça cada vez mais, nem que seja para ir dormir tranquilo com a sensação de que, por mais que meus planos deem certo ou não, eu ao menos estou me empenhando para tentar me entender a cada passo do caminho. E acho que isto é mais do que muitas pessoas andam fazendo. A maioria das pessoas só vive, e isto sim eu considero inconcebível. Questione-se, indaga-se, duvide-se. E surte, se precisar, porque cá entre nós, quebra-cabeças me estressam. Eu só os levo adiante porque enxergar aquela figura no final me deixa curioso demais para abandonar toda a campanha. Eu sempre digo que não é a fé que move montanhas; é a teimosia. Quem tem fé só olha pras montanhas e pensa, “Elas hão de se mover um dia...” Quem é teimoso, encara as montanhas com ironia e diz, “Capaz que elas não se mexem?! Duvido!” E vai lá e tenta. E eu sou desses.

   Talvez haja um sentido para que as coisas não façam sentido. Eu já não sinto mais tanta pressa para entender, porque consigo perceber hoje o quanto a procura, a espera e a ansiedade podem ser divertidas. Ainda bem que não podemos prever o futuro, porque se soubéssemos o que seriam de alguns dias, acho que nem sairíamos da cama. Eu só desejo mesmo que, no final, eu entenda. Alguns quebra-cabeças são preciosos demais para acabarem muito rápido e, convenhamos, eu sempre tive uma queda por fazer sentido, sem ter sentido...

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