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A seleção natural


Quer saber? Eu vou dizer: eu não planejei a minha vida até aqui. Mesmo com uma noção incomensuravelmente incorreta de que as “melhores pessoas do mundo” sempre tem noção dos seus planos e dão cada passo adiante como um estratégico jogador de xadrez, eu ainda assim levo os meus dias com o mesmo desequilíbrio de um malabarista bêbado. Eu também vou admitir que ao menos a parte bêbada foi e continua sendo intencional.
Mas o medo – sabe o medo? – que me dá de não saber no que tudo isso vai dar, já passou dos limites. E aí você me joga frases-feitas para tentar remediar a minha ansiedade como se eu já não tivesse escutado todas elas antes: “a vida não é uma competição!”, “ninguém realmente sabe o que está fazendo!”, “carpe diem!”. Não adianta, viu amiguinho? Eu poderia decorar paredes, muralhas e até hemisférios inteiros com as coisas que eu teoricamente sei e praticamente me esquivo. Claro que não é intencional; é quase instintivo. Como um ímpeto de sobrevivência só que, bom, bêbado.
Os últimos meses tem sido como uma espiral de insanidade e desordem, não importa quantas vezes eu imediatamente lave, seque e guarde a louça após o almoço. Nada vai aquietar o caos que fez da minha vida o seu resort particular. “Eu também sinto isso!” – dane-se. Estamos falando de mim, ok? E vá buscar outra cerveja.
Eu imagino que se a vida não fosse mesmo a corrida maluca que eu alucino que seja, por que então estaríamos perpetuando ciclos de seleção natural desde que saímos do oceano, sacudimos nossas caudas até se desprenderem da nossa nova forma, para nos encontramos nervosos e impacientes em entrevistas de emprego por aí? É assim que a nossa espécie se reproduz, inclusive: entre todos os encontros, ligações e mensagens bêbadas (rá!) mandadas sem pensar de madrugada, você elege um destinatário em especial para compartilhar o resto da sua desordem perpétua. Estamos constantemente inseridos em processos seletivos – seja na posição de recrutamento, ou de seleção.
E parece que a cada novo dia, o prazo está se esgotando. A contagem regressiva diminui mais um algarismo do meu tempo, e adiciona mais uma pilha aos meus nervos. E aí você me pergunta: “que prazo?!”. E eu te digo o seguinte: só porque eu não sei aonde eu quero chegar, não significa que eu não quero chegar logo.
Não importa o que me aconteça, eu jamais pareço conseguir driblar os meus instintos. Começando por admitir que eles existem, foi dada a largada para a competição mais alucinante, tempestuosa, árdua e cansativa que existe. Chama-se “o que eu quero para mim desta vida”, e talvez isso realmente não tenha nada a ver com mais ninguém. Sou eu, aliado a mim mesmo, contra mim – entende? E você pode torcer, vibrar, comemorar ou ignorar os raros fogos de artifício e os constantes resmungues embriagados que partem daqui. Uma coisa é certa: eu estou aprendendo a valorizar cada vez mais as minhas escolhas. E talvez isso seja o que chamam, enfim, de evolução.

PS. Sim, eu estou ansioso pela formatura. E pelo open bar.

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