Quando eu era criança e recebia um convite para alguma festa, meus pais nunca me proibiam de sair. Só precisavam saber antes de quem era a festa, onde ela aconteceria, que horas iria começar e até que horas poderia durar, quem iria me dar carona para ir e voltar, e se a mãe ou pai do colega que iria me dar carona tinha algum telefone além do fixo para que pudessem ligar caso precisassem... É a superproteção básica de qualquer pai ou mãe sobre seu filho único. E é algo que invariavelmente tendem a passar para ele com o passar dos anos. Além das preocupações familiarmente justificáveis e de um certo senso de responsabilidade sobre minhas ações quando não estivesse sob a supervisão de adultos, também herdei uma demasiada necessidade de manter sempre o controle da situação. Saiba onde ficam as saídas mais próximas em caso de emergência, carregue sempre um pouco de dinheiro a mais para bancar imprevistos, e nunca se esqueça de que suas ações sempre terão consequências. Se puder arcar com elas, faça o que quiser. Se não, reserve-se. Ninguém nunca se feriu por resguardar-se, mas sempre haverá danos colaterais para quem atravessa a vida sem qualquer estratégia em mente.
Há quem diga que isto não seja realmente viver. Porque viver envolve riscos, atitudes impensadas, uma imprudência ocasional aqui e ali e, por que não?, um pouco de caos para dar graça aos dias fatigantes de rotina. E em parte eu concordo com isso, mas nunca consegui deixar de ser quem sou diante das tais oportunidades que surgem em meu caminho. Não é a toa que atribuo funcionalidade ao meu próprio caos, ou uma fonte e espaçamento padrões para escrever as crônicas que compartilho aqui. A fatalidade do ser metódico está em eventualmente limitar-se aos seus próprios meios. A vantagem é a segurança inata ao controle que se mantém.
E quanto mais pensei sobre isso, mais me dei conta do quanto tudo em minha vida parece ser medido, calculado, planejado e executado conforme os mínimos detalhes. Desde a hora de levantar, de comer, de fazer as tarefas que preciso, até a hora de conversar – e de selecionar bem o que deve ou não ser dito. Ou até mesmo a hora de beber – e de analisar se é possível beber mais do que socialmente e ainda assim conseguir chegar em casa são e salvo. Irremediavelmente me tornei um refém dos meus próprios costumes. O que me faz feliz é sentir-me seguro. Mas se está tudo aparentemente sob controle, por que ainda me sinto tão inseguro?
Na verdade eu sei por quê. E tem a ver com aquela música.
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E quando percebi o quanto estava repetindo a mesma música inúmeras vezes, imediatamente me coloquei em busca de novos downloads para arejar minhas trilhas sonoras. O problema foi quando percebi que não importava se estava repetindo aquela mesma música ou não. Porque todas as outras que vieram depois dela, assim como todas as outras mais antigas que procurei escutar para evitá-la, falavam da mesma coisa. Eram canções de amor.
Para quem gosta de manter o controle das coisas, nada é mais aterrorizante do que sentir que está se apaixonando. Porque o amor não conhece limites, regras ou - muito menos - vigilância. O amor simplesmente acontece. E quando acontece, também toma conta de tudo ao seu redor. É quando coisas comuns do cotidiano passam a te lembrar do rosto dela. Ou a pensar no que ela mesma pensaria se visse tal coisa pela qual você passou, na rua que sempre toma a caminho de casa e que nunca te remeteu nenhuma reflexão antes.
Não importa mais o que eu diga ou o que faça, eu vejo seu rosto aparecendo diante de mim. Como uma música inesperada que só nós conseguimos ouvir...
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O mais próximo que poderia chegar de obter algum controle sobre isso talvez seria ao aprender a letra da música.
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