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Beber, rezar, amar


Ontem eu comemorei 45 dias de sobriedade filosófica em Foz do Iguaçu. Resistindo às tentações de mergulhar em questionamentos sobre a vida, o amor e a cidade que fossem além das minhas distrações metafóricas - como, por exemplo, pensar sobre o quanto a péssima direção dos motoristas paraguaios nos estacionamentos de mercados aqui pode representar o desequilíbrio do dólar na bolsa de valores mundial. E talvez eu conseguiria me manter sóbrio por mais tempo, se não fosse a minha irônica sorte de redescobrir a minha fé nos lugares mais aleatórios. Ou, neste caso, nos lugares e nos horários de funcionamento certos.

***

De agora em diante, vamos considerar que estes relatos infames sobre mudanças que ando registrando por aqui vão mais além do que um mero caminhão de mudança que viajou 130 quilômetros para levar as minhas coisas de um familiar ponto A para um distinto ponto B. O que eu quero com tudo isto na verdade é contar uma história que faça mais sentido do que a última que vivi. Apesar de ter terminado tudo relativamente bem, o começo em si foi algo mais difícil de desenvolver. Bem como todos os começos de qualquer coisa, creio eu.  Mas o prólogo é sempre simples: você faz uma escolha, e assume as ramificações dela ao longo do caminho que se forma à sua frente. É a lei natural da vida – a causa e o efeito – em sua versão mais cotidiana. Não querendo soar determinista demais, nem ofender aqueles que acreditam que é possível cometer erros sem comprometer o seu destino, assim como eu secretamente ainda acredito. Parece até juvenil admitir em voz alta que algo como destino pode existir; como se ao atingir certa idade, conceitos como “destino” e expressões como “nunca” e “para sempre” tornam-se ocos diante do mundo real, e irreconhecíveis para aqueles que realmente levam este mundo a sério. Voltando à minha história, cujo prólogo tem esfriado assim como o clima lá fora, este talvez seja o momento em que o leitor chega até a página em branco que separa o prefácio do primeiro capítulo. Um capítulo que chamarei carinhosamente de “A Espera”.

***

Se o mundo pertence aos dispostos, talvez eles considerem me aceitar em sua comunidade ao relevarem o quanto eu estou tentando fazer parte disso tudo pra valer. Caminhando pelas ruas de Foz do Iguaçu, visitando seus marcos históricos, registrando minhas experiências por esta terra de imigrantes e estrangeiros, um sentimento constante pairava sobre mim cuja nomenclatura permanecia indescritível. E talvez tenha sido esta a brecha que o destino estava aguardando que eu alcançasse, ou a qualquer outra força que você, leitor, creia que rege o universo: Deus, o governo, ou os fabricantes daquela pílula vermelha do Matrix. Enfim, em minhas aventuras pela terra das cataratas, eu descobri a palavra que me faltava no que quase seria o lugar mais inesperado de todos: na parede lateral exterior dos banheiros do Templo Budista Internacional.


Foi em uma visita a mais um ponto turístico da cidade que eu me percebi realmente tentando ir além das minhas zonas de conforto – e as chamo de “zonas” pelo caráter bagunçado que toma conta do meu quarto ultimamente. Admirando as estátuas e os dizeres em chinês sobre prosperidade e paz, eu senti uma calma que há muito tempo não sentia, visto que passo a maior parte do meu tempo entretido por maratonas de séries americanas e surtos de ansiedade generalizada sobre o futuro. Mas depois de passar por todas as estátuas, eu avistei mais alguns dizeres escritos pelas paredes da lojinha de lembranças e dos banheiros próximos a saída. E um deles prendeu a minha atenção ainda mais do que toda a minha mini-experiência budista até então:


E logo abaixo:


De acordo com a religião budista, a impermanência é um dos conceitos essenciais para a descrição do universo e diz respeito à constante mutação de todas as coisas. É importante compreender a importância da impermanência e, acima de tudo, aceitá-la como parte natural da vida. E como todo processo, toda mudança e toda viagem, é preciso dar o primeiro passo – que, por sua vez, sempre será o mais doloroso.

Coincidentemente ou não, a impermanência é a palavra-chave que simboliza esta parte da minha jornada hoje em Foz do Iguaçu. Na travessia entre o ponto A e o B, o mundo novo e o antigo, meu passado e o meu futuro, é preciso entender o porquê de certas coisas ficarem para trás antes de realmente seguir em frente. E ao dar fim à minha visita no templo (e de descobrir o quanto são caras as lembrancinhas daquela lojinha), levei algo bem mais valioso comigo: a crença de que mudanças são inevitáveis na vida de qualquer um, mas ao aceitá-las como um presente, a viagem rumo ao Nirvana pode se tornar bem mais proveitosa.

Namo Amituofo

*Escrito em 10 de setembro de 2015.

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